As Crônicas de Arian 2 – Capítulo 17 – Alice

Índice para todos os capítulos: aqui

O Livro 1 completo já está a venda na Amazon.

Ou você pode ler de graça se cadastrando nesse link.

Capítulo 17 – Alice

“Você é um idiota, Atlas”

“Talvez… Mas nunca vou ter certeza se não tentar”

“Vai se arrepender e desistir um dia… E quando o fizer… Por favor, me mate antes de ir embora”

O homem passou a mão por seus cabelos quase brancos de tão claros, enquanto pensava nas palavras que selaram o destino dele e o de Jane poucos anos atrás. Ele estava sentado em uma cadeira olhando para ela, a mulher mais linda que já viu na vida, deitada em uma cama de casal em um quarto decorado com luxo. Os cabelos negros estavam espalhados pela cama, e a franja caindo sobre o meio do rosto. O contraste com a mobília preta do local destacava ainda mais seus lindos lábios vermelhos.

As feridas causadas por ela no combate contra Arian e seu grupo em Amira foram curadas por um sacerdote no meio do caminho para Amit, mas Atlas nunca deixava de ficar horrorizado quando ela enlouquecia e começava a se auto-mutilar, devido a influencia da energia da dimensão negra. Ela sempre dormia virada para cima e com os pés para fora da coberta. A silhueta de seu corpo nu criada pelo lençol era quase perfeita, e a luz do sol batendo sobre ela deixava tudo ainda mais bonito. Ele queria que alguém pintasse aquilo, pois não conseguia parar de acha-la a cena mais linda que via a anos.

Estavam em uma casa no alto de uma montanha que ficava ao lado da cidade de Amit. A residencia pertencia a Lorde Arx, que os cedeu o local quando chegaram na cidade com o pedido do Lich para Arx dar um jeito de parar o grupo de Arian, ou ao menos atrasa-los. Foi então que os pensamentos de Atlas foram interrompidos.

— Essa mulher só dorme? — perguntou Marin, aparecendo de repente na porta do quarto.

— Ela está em um dia ruim hoje, tive que dopa-la.

— Relação curiosa a de vocês… A líder tem o subordinado como baba…

— Ela é excepcional quando não está… bem, em dias ruins… O plano que ela bolou para atrasar o grupo de Arian era ótimo.

— Talvez, mas o planejamento brilhante dela não adiantou para nada… Aquele portal se abrindo com os teleportadores foram melhores que qualquer plano que pudêssemos bolar.

Atlas deu uma risada.

— Qual a graça? — Uma colega de guild costumava dizer que a sorte está do lado dos bons… Ela acharia nossa situação engraçada.

— Acha que está do lado dos maus?

— Não sei se acredito em bem e mal, mas sei que estou do lado que resulta em mais mortes de gente inocente…

— Crise de consciência? Por isso fica se vestindo de preto e pulando de prédio em prédio por ai?

— Talvez… Mas mesmo não gostando do que estou fazendo, ao menos sei que estou do lado que quero estar.

— Nem um pouco contraditório… Você é um homem muito estranho… E que tal olhar para mim enquanto fala comigo?

— O importante é eu te escutar, não ver a sua cara. Lamento dizer mas a visão a minha frente é muito mais bonita do que a outra opção que está me dando.

— Sabe que ela não gosta de você, não é? Tirando casos raros, quase toda bruxa perde a capacidade de sentir afeição nos níveis mais avançados, ela só está te usando para saciar seu pagamento e servir de baba quando ela fica fora de controle.

— Talvez sim, talvez não… Mas eu me sinto feliz quando estou perto dela… Gostaria de um dia poder confirmar se ela sente o mesmo, mas por enquanto a situação atual é o bastante para mim.

— Está com uma mulher que te obriga a fazer coisas que odeia e se sente feliz mesmo assim? Eu nunca vou entender os humanos…

— Não escolhemos de quem gostamos, Marin, só acontece… O dia que encontrei Jane naquele prisão, eu sabia que queria segui-la pelo resto da minha vida. E eu tenho esperanças de que se o Lich conseguir cura-la, como prometeu, ela não faça mais coisas tão ruins e possamos viver o resto de nossos dias em paz, quem sabe até ajudando pessoas para tentar pagar pelo mal que estamos fazendo agora.

Marin se segurou para não gargalhar alto.

— Vai trocar uma mulher com ataques de loucura por uma com remorso por todas as coisas que fez na vida enquanto estava sobre influencia de energia da dimensão negra? Que maravilha…

Atlas finalmente se virou e olhou para ela.

— Tem sempre que ver o pior em tudo? Marin sorriu com malicia.

— Sou a Bruxa de Lain, lembra? Se não atormentar você um pouco minha fama não vai se justificar.

— Você conspirou e matou o seu mestre… Acho que já fez jus o bastante a sua fama — debochou Atlas.

— E curiosamente não parece se importar nem um pouco com isso…

— Arx era um hipócrita que matou milhares de inocentes nos últimos 50 anos para manter a alma de sua filha e a ele mesmo vivos, o mundo está melhor sem ele. Meu objetivo era atrasar o Arian, e ele foi cumprido. Agora saia daqui com essa faca envenenada que está segurando nas costas e mande seu lacaio sair da janela. Se ele acordar Jane eu mato vocês dois…

Marin tentou não parecer tão surpresa quanto realmente estava.

— Onde eu errei? — Se quer matar um licantropo não se aproxime com nada que ele possa farejar a mil metros de distancia… —  Atlas não parecia preocupado. — Conseguiu reviver a garota?

— Ainda estou trabalhando nisso. E você, não vai seguir o grupo das sacerdotisas? Já devem estar se preparando para partir.

— Chegou um mensageiro hoje de manhã. Acredite, se o que ele me disse for verdade, eles vão ter uma grande surpresa quando chegarem no ponto da estrada que encosta na floresta amaldiçoada. Não vou precisar fazer nada. Fora que… Bem, eles tem alguém muito pior do que qualquer enviado do Lich na cola deles agora.

— Como assim?

— Eles já devem estar para sair da cidade pelo que o informante disse. Se avista-los, repare bem no grupo todo.

Marin deixou a casa e se dirigiu a uma pequena cabana que ficava próxima a ela, era a casa do caseiro, que no momento estava abandonada. Ela então se virou e olhou para a cidade. A visão que tinha dali permitia ver o local inteiro de uma ponta a outra. Uma carruagem preta seguida por uma carroça comum coberta por uma tenda branca chamou sua atenção. A carruagem era guiada por cavalos brancos, a frente dela duas pessoas a cavalo faziam a escolta, um homem com um manto verde escuro, e uma mulher com um manto preto cobrindo o corpo.

Atras mais dois cavalos fechavam a escolta, montado em um deles estavam um homem enorme em uma armadura negra, e do outro lado um homem vestindo uma armadura de couro simples. Sabia exatamente quem eram. Marin usou sua visão sobre humana para ver mais de perto, até encontrar o que estava procurando dentro da carruagem. Pode vê-lo pelo janela, e logo depois se sentiu uma idiota pela curiosidade em checar.

Ela ainda estava bastante perplexa. Teve certeza que viu Jon e duas mulheres que estavam com ele caindo da torre durante o incidente. Do nada um vulto negro teleportou em meio ao ar em cima deles, agarrou Jon se aproveitando que ele estava tocando em todas, e teleportou de novo com todos eles para algum local. Depois disso veio a maldição da relíquia de Victor se espalhando, e ela correu para o mais longe que pode. Ao observar melhor o grupo indo em direção aos portões da cidade, ela parou ao ver uma pessoa bem especifica com eles, e teve um vislumbre.

— Acho que finalmente entendi o que aconteceu… Marin sorriu, enquanto perdia o grupo de vista.

— Tente se manter respirando até nossos caminhos se cruzarem novamente, Jon. Se aquele for quem eu penso que é, vocês vão ter sérios problemas.

A bruxa se virou e voltou a caminhar em direção a cabana ali perto, dando de cara com o homem loiro  encostado na porta da modesta casa de madeira perto do cume montanha. Ao lado dele, uma fantasma com um olhar intimidante encarava Marin.

— Ainda não entendo, como está perambulando fora da cidade, Marin? — disse ele, enquanto a mão direita massageava sua barba por fazer.

— O contrato abrange todo território pertencente a Arx, não só a cidade, Lotus.

— Sério? Não vi quase ninguém saindo pelos portões durante o tempo que estive por aqui.

— Arx dizia que o limite deles era a cidade, e não creio que alguém seria louco de testar o contrário. Os únicos que entravam e saiam eram os fazendeiros e comerciantes, mas eles não tinham um pacto de sangue.

— Interessante… De qualquer forma, cumpri minha parte e te trouxe a cabeça de Arx, onde está meu pagamento?

— Eu o contratei para matar Arx e conseguir o papel do meu pacto que ele escondeu no castelo. Não foi você que o matou, e não estou vendo meu contrato. Então sem pagamento.

Lotus deu uma risada e em seguida colocou a mão no bolso, retirando um papel amarelado manchado de sangue.

— Tem certeza? Marin correu até ele e pegou o papel, conferindo se era mesmo o que pensava.

— Não acredito… — disse a bruxa, com os olhos brilhando. Ela então rasgou o papel — Livre, finalmente!

— Com aquela confusão na torre foi fácil entrar no castelo e encontrar. Estava no porão que nunca consegui entrar, mas assim que Arx morreu, a magia que bloqueava a entrada se foi. Só não entendi por que me queria a cabeça dele…

— Apenas um capricho meu… Mas admito que nunca achei que você iria conseguir. Na verdade ainda acho, só deu sorte daquele grupo aparecer aparecer por aqui e agilizar o plano que estava montando faz anos.

— Eu disse que faria o serviço e ele acabou feito, sorte ou não é independente de mim. Agora me passe o pagamento ou minha amada aqui vai ter que testar se é tão assustadora quanto as lendas sobre você dizem.

Marin não gostou da ameaça, e encarou os olhos da bruxa ao lado de Lotus, quase como se a estivesse desafiando. Ambas ficaram paradas ali por algum tempo, até que alguém falou de dentro da cabana.

— Ela acordou!

Ao ouvir isso, Marin relaxou. Tinha que se livrar logo daquele idiota.

— Vá até o que restou da biblioteca e quebre o local no chão marcado por uma mancha branca, tem 500 moedas de ouro ali em baixo.

— Como vou saber se não é uma armadilha?

— Peça para sua bruxa de estimação checar antes.

— Boa ideia! Vamos amor, com 500 moedas podemos tirar longas ferias de amanhã em diante…

Lotus subiu em seu cavalo e seguiu para a cidade enquanto conversava com sua fantasma.

— Não, nada de lugares gelados, minhas partes baixas não funcionam bem no frio… Te trair? E nunca faria isso… Aquilo foi um acidente, eu estava bêbado… Que coisa horrível para se dizer, amor…

Assim que os perdeu de vista, Marin entrou na cabana. Dentro dela, apenas alguns moveis velhos, e um caixão de metal com uma garota dentro. Seus olhos estavam abertos, mas ela aparentemente ainda não conseguia se mexer.

Sentado em uma cadeira, a observando, estava o famoso servo de Arx, que havia saído de seu lado até hoje. Marin sabia muito pouco sobre ele.

— Honestamente, o que ainda está fazendo aqui, Lian?

— Estou curioso, acreditava mesmo que aquele bêbado conseguiria matar Arx quando o contratou?

— Não, mas tive esperanças que ele ao menos acharia o contrato de sangue, como ele acabou fazendo.

— E precisava colocar a torre abaixo? Era um presente para a filha dele…

— Ele tinha uma ligação com as várias almas presas a torre, quando coloquei ela abaixo a magia foi quebrada. Aqueles idiotas nunca conseguiriam matar ele com a torre intacta, ele seria umas cinco vezes mais forte e se regeneraria ainda mais rápido.

Lian parecia meio incrédulo com a informação, e então Marin voltou a perguntar.

— Sério, por que ainda está aqui? Com Arx morto não existe mais nada que controle sua vontade, nem ao menos entendi porque trouxe a filha dele para cá como ele ordenou. Pensei que largaria ela no meio do caminho e sairia da cidade assim que ele morreu e você saiu do controle mental.

O homem que parecia um humano normal, careca e com um olhar calmo, riu da pergunta.

— É engraçado… Embora ele tenha me dominado com magia no começo, a anos que faço o que ele me pede por vontade própria, e meio que criei um… não sei bem a palavra, mas sei que me importo com essa garota. Eu nunca tive um propósito no meu mundo, só vagava por ai a esmo, até que um portal me jogou nesse mundo, Arx me encontrou perto de Amit e me dominou usando magia. Pensei que viveria dias horríveis, mas ele nunca me tratou mal depois disso, na verdade parecia até feliz em ter alguém com quem conversar. Acho que como eu nunca tive um propósito, comecei a achar divertido ajudar alguém a tentar conseguir o dele… Quando ele morreu não senti pena dele, e aprecio ter minha liberdade de volta. Mas admito… me sento solitário sem ele… Quer dizer… O que eu faço agora?

Marin balançou a cabeça aborrecida.

— Você é inacreditável…

A bruxa então se dirigiu a Alice, que tinha recém aberto os olhos.

— Finalmente acordou, Alice… Vai conseguir falar em pouco tempo, mas tem algumas coisas que preciso explicar antes. Primeiro, eu a revivi usando a alma de seu pai, ou mais precisamente a alma do demônio que coloquei nele e se fundiu com a do seu pai. Era tão forte que resistiu a um novo transplante.

A garota parecia horrorizada com a informação. Seus olhos eram puro horror.

— Sim, entendo que esteja surpresa e não goste disso. Na verdade, imagino que vá pensar em se matar futuramente, então deixe eu fazer um alerta: Se o fizer, todos naquela cidade vão morrer. E acredite, tem pessoas boas lá. Então, antes de tomar essa decisão, pense nisso, sua vida não é só sua agora, é você existir que mantem a cidade vida. E sim, assim como seu pai vai ter que consumir as almas de outras pessoas para se manter viva. Não se traz alguém de volta sem um preço. Sua personalidade vai gradualmente ficar mais fria e ríspida também. Ela tentou falar algo, mas ó saiu um grunhido.

— Deixa eu adivinhar o que disse, “Basta eu acabar com o pacto então”. Sim, você pode desfaze-los de um em um, mas quer mesmo soltar um bando de assassinos e estupradores por ai para fazerem o que quiserem pelo Sul? Eles só se comportam na cidade por causa do pacto de Arx, sem ele isso aqui seria um caos completo.

A garota ficou pensativa depois disso.

— Foi o que pensei… A parte boa é que seu pai escreveu o contrato valendo para toda sua linhagem, o que inclui você. A parte mais curiosa desses contratos, no entanto, é que eles valem para a alma da pessoa, então mesmo que elas morram, até a alma sair desse mundo o contrato se mantem. Caso contrário, todos da cidade teriam morrido assim que seu pai perdeu a cabeça.

Alice arregalou os olhos com a ultima parte.

— Certo, isso foi insensível da minha parte…

Depois de mais um tempo Alice finalmente conseguiu mexer seus membros e levantar. Ela olhou para Marin e tentou falar algo.

— Por q…

— Isso é tão divertido… “Se podia mesmo me trazer de volta por que enrolou meu pai todos esses anos?”, deve ser o que quer saber. Conseguir um demônio forte o bastante para a alma resistir mesmo depois de morto é bem complicado, seu pai deu muita sorte de eu conseguir arranjar um para ele. Mas admito, não me esforcei no seu caso porque se conseguisse mesmo trazer você de volta, não teria mais utilidade para seu pai e acabaria morta no dia seguinte. Ele nunca confiou plenamente em mim.

Lian continuava sentado em sua cadeira calado. Só observando com curiosidade a conversa das duas.

— Então por q…

— “Então por que me ressuscitou agora?”, eu creio que seja a pergunta… Bem, antes que ache que foi por algum tipo de bondade, tome, isso é seu.

Marin entregou um pequeno livro amarelado com uma capa de couro nas mãos de Alice.

—Isso é o diário de sua mãe. Sim, ela tinha um. Eu tive que roubar pouco antes dela morrer porque não podia deixar seu pai saber o que tinha nele. Mas agora isso não importa mais.

A garota olhou confusa para ela.

— “Por que lhe dei isso agora?”. Sabe Alice, sempre achei a visão que as pessoas tem sobre o bem e o mal equivocada, embora eu fosse pouco instruída demais para expressar isso com a devida clareza quando mais nova. Não existe o bem ou o mal, e quanto mais rápido entender isso, melhor vai entender esse mundo. É tudo uma questão de pontos de vista.

Marin se aproximou da garota e colocou a mão em sua cabeça de leve.

— Do seu ponto de vista, atualmente, eu posso ter feito uma boa ação ao te trazer de volta, cumprindo o último desejo de seu pai e salvando todos na cidade da morte pelo contrato. Mas do meu ponto de vista, estou apenas concluindo minha vingança sobre seu pai. Quando ler esse diário vai entender exatamente o por que.

A garota então abriu o diário que lhe foi dado e começou a passar algumas páginas.

“Comecei a imitar meu marido e também fiz um diário, quem sabe consigo entende-lo melhor assim. Não estamos nos dando tão bem desde que Alice nasceu. Admito que as vezes tenho um pouco de ciume dela, mas ele me ignorar não ajuda também”.

“Me sinto um pouco solitária…”.

“Hoje encontrei uma mulher estranha na biblioteca da cidade. É a primeira mulher com quem converso na cidade que não me trata de forma diferente por ser a mulher do lorde local, espero vê-la de novo.”.

“Fui a uma loja de chá hoje e encontrei novamente com aquela mulher. Ela me apresentou um chá especial de sua terra natal, é divino.”.

“Estou me sentindo diferente ultimamente, toda vez que vejo minha filha me irrito, e venho pensando coisas perturbadoras sobre meu marido querer me matar e me substituir com minha filha… É nojento, absurdo, não sei de onde essas ideias vieram, quando acordei hoje elas apareceram, como se alguém tivesse me dito enquanto eu dormia. Elas não saem da minha cabeça, pensei nisso o dia todo”.

“Aquela mulher sumiu, mas não consigo parar de escutar sua voz na minha cabeça quando durmo. Me sinto solitária sem ela… Aproposito, seu nome é Marin. Nunca tinha visto ninguém com esse nome.”

A seguir as frases de sua mão ficaram cada vez mais transtornadas, até ela afirmar que tinha que matar Alice a qualquer custo.

Ela não entendeu o que a bruxa disse no começo, mas agora fazia sentido. Ela se sentia aliviada por sua mãe não ter culpa pelo que fez, mas ao mesmo tempo muito triste devido ao que aconteceu com ela, manipulada por Marin.

Não saber disso a deixaria tão infeliz quanto saber, não havia bem ou mal apenas, os dois estavam misturados, mas do ponto de vista de Marin, ela saber que foi ela a destruir a mente de sua mãe era mais prazeroso do que a deixar pensando que a mãe a odiava. O coração de Alice começou a bater com força, enquanto ela ficava ofegante, uma sensação que a dava a certeza de que estava viva.

— Isso, era exatamente essa expressão que eu queria ver nos olhos de seu pai. Ódio pelo que fiz e alivio por ela não ser quem ele pensava… Bem, meu trabalho está feito. Como presente de despedida, um conselho, olhe a última página. 

Marin então se dirigiu para a porta, mas parou antes de colocar o pé para fora. 

— Lian, já que está entediado, que tal virar meu guarda-costas a partir de agora?

— Não, obrigado. Nunca gostei de você. Fora que acabei de ter uma boa ideia do que fazer daqui para frente.

— Que pena… — ao dizer isso, Marin saiu pela porta e sumiu de vista logo depois.

Assim que se recuperou do choque referente ao que tinha lido, Alice seguiu o conselho de Marin e pulou para a última página escrita do diário. Era a última frase de sua mãe enquanto viva.

“Não sei o que está acontecendo, não me sinto mais eu mesma a muito tempo, e não consigo olhar minha filha sem querer fazer algo horrível com ela. Depois me arrependo e choro, mas é tarde demais, estou presa nesse ciclo diário. Espero que ela me perdoe por esses pensamentos horríveis um dia. Pode não parecer, mas eu realmente a amo.”

A mistura de sentimentos continuava. Ódio, tristeza, felicidade, não conseguia se fixar em nenhum. Mas aquela mensagem a acalmou um pouco. Foi então que Lian levantou e se dirigiu a ela.

— Ola, provavelmente já sabe disso, mas como nunca vi seu espírito, acho que o correto é me apresentar. Meu nome é Lian, e fui o servo de seu pai por muitos anos. Não sei se é uma boa hora, mas tome, seu pai me deu isso muitos anos atrás para caso você voltasse e ele não estivesse mais aqui.

Alice pegou a carta da mão dele.

— Se não se importa, gostaria de ficar por aqui e servi-la enquanto não decido o que fazer com minha liberdade. Se importa?

Alice não sabia o que dizer, então só acenou com a cabeça. Mas por dentro estava feliz, já que ao menos não ficaria sozinha. Ela então abriu a carta que Lian lhe deu.

“Oi Alice,

Se está lendo isso, é porque não estou mais aqui. Estou escrevendo essa carta antes de Marin me fundir com um demônio, de forma a me salvar de morrer para a praga que matou você. Ela diz que existe a chance da fusão alterar um pouco a minha personalidade, e geralmente não é para algo bom. Então antes que isso aconteça, decidi escrever essa carta.

O pacto de sangue que tenho com todos da cidade vale para qualquer um que tem meu sangue, então eles também são obrigados a te obedecer. Em resumo, você é a rainha de Amit agora. Tenha cuidado com a Marin, caso ela ainda esteja viva quando ler essa carta… Aquela mulher é perigosa, nunca confie nela.

Eu fiz muitas coisas ruins que vão me atormentar pelo resto da vida para tentar traze-la de volta, e talvez faça coisa ainda pior no futuro, mas quero que saiba que esses pecados são meus, você não tem nada a ver com eles.

Ainda assim, se quiser que eu descanse em paz, seja lá onde estiver, tente ser uma governante melhor do que eu fui. Tem pessoas realmente boas nessa cidade, que merecem mais do que um idiota obcecado por trazer mortos de volta a vida. Cuide da nossa cidade, filha, e saiba que eu te amo, muito mais do que jamais poderá imaginar.

Lorde Vidermon Arx “

Lagrimas correram vagarosamente pelos olhos de Alice, enquanto ela levantava sua cabeça devagar e encarava o castelo de seu pai a distancia. A garota fechou os olhos, se concentrou e ficou de pé. Vendo que estava tremula, o servo de seu pai se aproximou e colocou a mão em seu ombro, como se tentasse dar apoio.

Ela limpou as lagrimas do rosto, caminhou lentamente para fora da casa, olhou resoluta em direção a cidade abaixo da montanha, e pela primeira vez desde que acordou conseguiu falar o que desejava.

— Vamos, Lian… Temos trabalho a fazer.

Próximo: Capítulo 18 – O garoto de outra dimensão

Comente o que achou do capítulo, o autor agradece.

PS: O capítulo ainda não passou pelo revisor, então pode conter alguns errinhos.