As Crônicas de Arian 2 – Capítulo 4 – Espíritos e Demônios

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Capítulo 4 – Espíritos e Demônios

Jon estava segurando uma das metades da espada de Kadia, intrigado.

— Como a espada foi quebrada? Ela tem uma boa quantidade de Zodium misturada ao aço, é muito difícil de quebrar.

— A pergunta não é como, mas sim quem, ou o que… — respondeu Arian, olhando para a espada.

Jon observou a bainha com mais atenção. Haviam quatro marcas de um amassado de um lado, e uma do outro. Não precisou de muito tempo para visualizar o que aquilo parecia.

— Que criatura consegue amassar a lâmina de uma espada com as mãos?

— Me diga você. Não lembra de tudo que vê uma vez?

Arian tinha razão, ele mesmo devia ter a resposta depois de ler toda a coleção do livro dos monstros na guild dele. Após pensar um tempo, respondeu.

— Um criatura, ou ser, de classe SS ou Ômega. Mas mesmo os classes SS não costumam ser imunes ao zodium, então um demônio de alto nível é mais provável. Com essa força… Um diabo das correntes? Talvez… Mas não faz sentido… Os livros descrevem eles como seres que sempre andam em grupo, comandando diversos demônios que podem escravizar só com a mente, e mais importante, causam muito tumulto quando aparecem. A cidade está calma demais para ser um deles.

— É… — Arian parecia ter chegado a mesma conclusão, mas estava com um ar de que sabia de muito mais coisas que Jon. 

— Onde encontrou a espada?

— Refiz o caminho que a Kadia faria para chegar aqui quando nos separamos. Encontrei uma casa abandonada com uma parede destruída no caminho. A espada estava lá. Ela parece ter sido pega de surpresa, se tivesse conseguido reagir deveria ter muito mais que uma parte da parede destruída. Não havia sangue no local, então seja o que for que a pegou, levou para algum lugar, ao invés de matá-la ali mesmo ou devorar.

— E o falcão dela?

— Não tinha como estar voando no meio daquela tempestade, então acho que não viu nada. No momento parece estar sobrevoando a cidade procurando por ela.

— Perguntou aos moradores próximos do local?

— Dizem não ter visto ou ouvido nada.

— Isso é impossível.

— Talvez estejam mentindo, mas não tenho a Kadia para confirmar. E estava chovendo e trovejando, o que pode ter atrapalhado a escutarem algo. Ainda assim, o modo como respondiam era estranho… Como Kadia disse, tem algo muito errado nessa cidade…

— Como assim?

— Ela não me explicou direito, mas segundo ela, quase ninguém que mora aqui é normal. Fora isso, tem fantasmas demais, e também… — Arian parou de falar do nada.

— O quê?

— Não vai te ajudar em nada saber, e não vai mais conseguir dormir. Quando sairmos dessa cidade eu te conto. Mas antes temos que achar a Kadia.

— Teve alguma ideia?

— Não. O outro Arian tem, mas escutar ele normalmente não é uma boa ideia… Achou algo útil nos livros que leu ontem?

— Não muito, mas só li sobre fantasmas, não creio que seja útil para achar Kadia.

— Pode ser mais útil do que pensa… Mas dá próxima vez, tente achar algo sobre o histórico de desaparecidos da cidade, pode ter alguma coisa…

Antes de Arian finalizar a frase, vários soldados entraram rapidamente no hotel. Estavam em um total de 12, todos usando uniformes pretos com detalhes em azul-escuro.

— Vasculhem todos os quartos, rápido! — disse um deles que parecia o líder. Era o único com bigode do grupo, e uma roupa um pouco mais chamativa que a dos outros.

Um dos soldados parou na frente de Arian, e após observar suas roupas por algum tempo, provavelmente comparando com a descrição que tinha, seguiu para os quartos do hotel.

— Ei! O que pensam que estão fazendo? — reclamou a recepcionista do hotel.

— O cavaleiro da morte… Digo, um cavaleiro de armadura negra foi visto ontem à noite andando pelos telhados da cidade, e hoje pela manhã mais de 10 nobres foram encontrados mortos. Várias pessoas relataram que havia um cavaleiro com descrição similar hospedado aqui, em que quarto ele está?

A mulher fez uma cara de surpresa, e logo em seguida abriu um livro preto que ficava na sua frente, provavelmente para confirmar o número.

Quarto 21. 

Arian deu uma leve risada.

— Por que está rindo? Vão prender o Marko. — disse Jon, claramente preocupado.

— Não, vão tentar prender o Marko, conseguir é outra história… Aconteceu a mesma coisa quando estávamos procurando por meio-elfas para Distany, ele vive sendo confundido com o cavaleiro da morte.

Após dizer isso com uma voz cansada, Arian respirou fundo, se levantou e saiu pela chuva, andando devagar e sem ânimo. Também estava falando sozinho, para variar.

— Não, <E>, não vou deixar a Kadia para lá… Não, não disse que ela é mais importante que você, para de transformar tudo em competição… E sai das minhas costas, estou cansado demais para te carregar… Como assim está cansada? Você nem dorme… — Sua voz foi abaixando conforme ele se distanciava, até Jon não conseguir escutar mais nada.

Em seguida, começou a escutar muito barulho em um dos andares superiores do hotel. Não precisava ser um gênio para entender que Marko estava resistindo a prisão. De repente os barulhos pararam, e vários guardas desceram a escada do hotel a toda velocidade.

— Ele foi para o Sul da cidade. Aos cavalos, rápido! — gritou o comandante do grupo, pouco antes de sair com seus homens pela porta do hotel.

Pelo pouco que pôde deduzir, Marko havia nocauteado uma parte dos guardas, pulado pela janela para o telhado da construção de 2 andares ao lado e fugido em direção ao Sul da cidade.

“O que eu posso fazer?”, pensou ele. Arian não parecia preocupado com Marko, então aquela perseguição não devia ser problema para o grandão.  E com o olfato dele, podia encontrá-los de novo com facilidade, mesmo que saíssem do hotel. Sobrava, portanto, o problema com a Kadia.

Arian tinha razão sobre ter alguma pista nos livros da biblioteca, então resolveu ir até lá novamente. Comeu algumas sobras do café da manhã que Lara, Joanne, Zek e Irene dividiram, e se preparou para sair. Mas quando colocou os pés para fora do hotel, Joanne veio pelas suas costas e o segurou pelo braço.

— Nem pense nisso, Jon.

— Joanne, eu te respeito muito, mas tem que parar de agir como se fosse minha mãe… Eu posso não saber lutar, ou ter grandes habilidades, mas gosto da Kadia e quero ajudar.

— Acha que eu gosto disso…? — Joanne estava claramente nervosa. — Eu queria estar vivendo minha vida tranquila na torre da luz, bebendo, festejando, namorando, mas não, ao invés disso fui encarregada dessa missão, que pode ou não ser importante, que pode ou não mudar o destino do Sul. Pior ainda, a vida de várias pessoas agora dependem das minhas decisões! Eu também gosto da Kadia, mas se você desaparecer também, é a minha consciência que vai ficar pesada, porque independente do que você ache, foi minha escolha te deixar ir. Como sua superior posso dar a ordem para ficar aqui, e é o que estou fazendo, quer você goste ou não. — Joanne então olhou para trás, onde estava Zek, parada como uma estátua encarando os dois. — Zek, está entediada, não? Fique de olho no Jon e não deixe ele sair de forma alguma pelo resto do dia. Encare como sua nova missão.

Jon podia jurar que Zek deu um leve sorriso com o pedido de Joanne, mas pode ter sido impressão. Ele foi obrigado a ficar no hotel o dia todo. O que o limitou a ficar pensando sozinho em algo que pudesse fazer.

— Rapaz pare de andar de um lado para o outro, vai conseguir deixar esse piso mais desgastado do que já parece.

— Ah, desculpe, Calene.

Calene, a recepcionista, tinha uma presença tão fraca que Jon quase esquecia que ela estava por perto a maior parte do tempo. Aparentava ter perto de 60 anos e usava roupas simples e um casaco de lã marrom, “lembra a minha avó”, pensou ele. Fora ela, havia apenas mais uma funcionária, que arrumava os quartos pela manhã. Foi quando veio a ideia. Se não podia sair dali para colher informações, tentaria colher ali mesmo.

— Esses casos de desaparecimento não eram comuns apenas com mulheres de cabelo curto? — questionou Jon, olhando para Calene.

— É o mais normal… — A mulher respondeu aparentando desinteresse.

— Isso não te preocupa? Quer dizer, essa cidade parece bem perigosa.

Calene então deu um sorriso amável.

— Você comeu do outro lado da rua ontem, não? Não notou nada estranho por lá?

— Estranho?

— Os preços das coisas aqui são os mais baratos de todo o Sul, temos a menor quantia de imposto coletada, e se não saírem à noite, todos aqui estão mais que seguros. Não notou como a maioria das pessoas por aqui parece bem feliz? As vantagens dessa cidade são muito maiores que as desvantagens.

— Está dizendo que nunca aconteceu nada com os habitantes da cidade?

Isso a mulher não respondeu, ficou apenas o encarando como se quisesse dizer algo, mas estivesse se segurando para não o fazer. Depois de algum tempo, com ambos em silêncio, Jon mudou a pergunta.

— Sabe de alguma informação que possa nos ajudar a encontrar nossa amiga? Qualquer ajuda seria útil.

A mulher o olhou por algum tempo, pensativa. Foi quando Jon foi surpreendido por um forte barulho no piso, atrás dele. Ele se virou no susto, mas não havia nada ali.

— Não posso ajudar, lamento. — A mulher respondeu logo em seguida.

— Sabe dizer ao menos como começou essa história dos desaparecimentos de mulheres de cabelo curto?

— Ah, isso quase todos sabem. Há mais ou menos 50 anos, nosso rei se casou com uma bela mulher que ele amava muito. Eles tiveram uma filha, e tudo ia bem em Amit, mas alguns anos depois, uma praga se espalhou por essa região.

— A maldição?

— Não, uma doença rara que vai apodrecendo seus membros lentamente, chamam de purgo, é bem raro de ver hoje em dia. Mas naquela época, mais da metade da população da cidade foi dizimada. — A mulher olhou para o chão com um olhar triste, como se estivesse recordando o que tinha visto. —  O rei e sua família ficaram bem a princípio, mas no terceiro ano, logo depois da rainha decidir cortar seus longos cabelos para acabar com um rumor que ter cabelos mais longos ajuda a evitar a doença, ela adoeceu, e morreu não muito tempo depois. O rei e sua filha ficaram arrasados, e o mito entre a população, de que deixar o cabelo curto facilitava contrair a doença só aumentou. O rei, que sempre foi descrente desses tipos de coisa, continuou achando uma idiotice, e para provar, cortou o cabelo da filha.

— E ela pegou a doença?

— Não, ela desapareceu no dia seguinte… A proliferação da doença se acalmou e sumiu pouco tempo depois, mas a filha dele nunca foi encontrada. Desde então, quase toda mulher de cabelo curto que aparece na cidade continua a desaparecer. Ironicamente, muitos céticos continuam a trazê-las como forma de tentar contestar o mito. Quase toda semana aparece alguém com escravas de cabelo curto por aqui, sejam curiosos, ou nobres da cidade que as compram para apostar quanto tempo elas vão demorar para desaparecer, e se conseguem descobrir quem, ou o que o fez. Se tem uma coisa que não podemos nos orgulhar é do tipo de turismo doentio que temos por aqui.

A história não ajudou muito a conseguir pistas do que ocorreu com Kadia, mas seja o que for que estava fazendo as garotas de cabelo curto desaparecer, podia estar relacionado ao que pegou ela. Mas só isso não ajudava em nada. Jon estava se preparando para fazer outra pergunta, quando escutou uma voz sussurrar em seu ouvido, “Pare de falar!”. Ele se virou para ver quem foi, mas não havia ninguém.

Joanne estava com um olhar pensativo, sentada em um sofá, e Lara estava em uma mesa próxima, jogando cartas com Irene. Ela já havia começado a voltar ao normal. Se antes parecia ter uns 10 anos, agora estava com cara e corpo de 13. Com isso, o vestido branco que antes estava muito largo, parecendo uma camisola, agora já servia melhor em seu corpo. Vez ou outra, ela olhava para o guia que os trouxe até ali, com uma expressão tão sinistra que parecia estar pensando em uma forma de matá-lo.

A noite estava começando a cair, assim como a temperatura. Frustrado, com frio, e sem notícias de Arian ou Marko, Jon decidiu que o melhor a fazer era ir dormir mais cedo. Dorian fez o contrário, dormiu a manhã toda e tinha acabado de acordar, saindo para comer algo logo depois.  Zek sentou na cama de Arian e o ficou observando tentar dormir, como um cão de guarda, o que criou um clima muito estranho, até Joanne tirá-la de lá.

Assim que as duas saíram, ele pensou que conseguiria dormir, mas um barulho no chão chamou sua atenção, e outro.

Mais um, eram passos de algo enorme que estava chegando cada vez mais perto de sua cama. Já estava cansado disso. Antes era só medo, mas agora passou a ser irritação também.

Jon tomou coragem, se levantou e encarou a parede desgastada de madeira, na direção de onde o barulho estava vindo. Seu coração estava batendo com tanta força que o som parecia estar chegando a seus ouvidos, abafando sua audição. Ele queria mostrar, a seja lá o que fosse aquilo, que não tinha medo, mas a verdade era que estava aterrorizado por dentro.

Leu em alguns livros da biblioteca de Amit que vários espíritos entediados ficam arranjando formas de incomodar os humanos com barulhos. Eles são, em geral, inofensivos, e não conseguem muito mais do que bater nas paredes, pisar no chão com força ou derrubar pequenos objetos. Em Amit, havia mais espíritos capazes disso que o normal por causa do portal para o mundo dos espíritos que ficava próximo, e aumentava muito de tamanho à noite, horário em que alguns deles conseguiam até se comunicar com os vivos, dependendo do quão fortes fossem. Durante a manhã, com o portal reduzindo de tamanho, ficavam fracos demais para conseguir sequer fazer muitos barulhos, no entanto. A forma mais simples de se livrar deles era ignorar, ou mostrar que não tem medo.

O barulho havia parado, então ele se fingir de corajoso parece ter surtido efeito, ou ao menos foi o que pensou, antes de ser arremessado para trás com tanta força que quase desmaiou. Havia batido de costas na parede em que sua capa estava encostada, tentou levantar e correr até a porta, mas foi impedido por sua própria cama, que foi jogada em sua direção em uma velocidade absurda.

Sua perna direita quebrou na hora, e ossos saíram rasgando a pele. Ele caiu com um berro de dor. Desesperado, usou toda força que lhe restava para se arrastar até a porta, enquanto o som das pegadas de algo enorme se aproximavam, e ele tentava não desmaiar com a dor. Foi quando o osso da fratura exposta de sua perna o travou, preso nas irregularidades do chão de madeira. Cada vez que tentava puxar sua perna presa, parecia que ela iria se desfazer, enquanto ele podia apenas gritar de dor, que só aumentava. Nesse momento, a porta do quarto foi destruída por um chute de Zek, que em instantes se colocou em posição defensiva na frente de Jon. Seus olhos brilhavam em uma forte cor alaranjada e os símbolos em sua espada e armadura emanavam a mesma cor.

— Zek, não dá para lutar contra isso com uma espada, temos que sair daqui! — gritou Jon, tentando não desmaiar com a dor que estava sentindo.

Zek obedeceu e se agachou para pegá-lo, mas pouco antes de conseguir encostar em Jon, ela foi arremessada para um dos cantos do quarto. Joanne e Irene entraram logo depois, e arremessaram uma magia com brilho dourado de suas mãos na tentativa de acertar seja lá o que estava atacando Zek. Mas elas erraram. Em seguida ambas acabaram arremessadas também, mas como não tinham a super resistência e força de Zek, quase desmaiaram quando suas cabeças se chocaram contra a parede do quarto e os móveis no caminho.

Zek continuou se levantando, mas sempre que ia até Jon algo a jogava de volta contra a parede. Ela finalmente apelou e tentou usar magia celestial, o que sempre evitava por não ter grande controle da mesma. A janela do quarto, e parte da parede, foram pelos ares, tamanha a potência da magia que ela lançou. Aquilo era efetivo contra espíritos, mas tinha que acertar, o que era complicado com algo que não dava para ver, e pelo jeito Zek havia errado. O espírito a empurrou com tanta força dessa vez que ela arrebentou a parede com o corpo e foi parar no quarto vizinho, onde Lara estava deitada em sua cama, lendo, como se nada estivesse acontecendo. Após observar rapidamente a situação, ela se levantou, incomodada.

— Seu bando de sacerdotes inúteis… — reclamou a garota, não parecendo muito preocupada. — Joanne, segura.

Dizendo isso, jogou o objeto preto que estava com ela para Joanne, que estava no outro quarto, no meio dos destroços do armário, onde tinha sido jogada. Parecia totalmente desnorteada, e caiu no chão parecendo estar com muita dor assim que pegou na caixa que Lara jogou.

— Me pegue se puder fantasma idiota — disse Lara, conforme seus olhos ficavam dourados e uma fumaça dourada começava a emanar de seu corpo.

Foi então que tudo ficou em silêncio. Não havia um barulho sequer fora o do vento, vindo do rombo que Zek fez na parede que dava para o lado de fora. Até que ouviram um rangido da madeira atrás de Lara. A garota, na mesma hora, levantou a palma de sua mão naquela direção, e Jon se lembrou porque tinha tanto medo dela. A parede para qual Lara apontou sua mão explodiu em mil pedaços. Ela arrebentou a parede apenas concentrando uma quantidade enorme de energia e liberando naquela direção. A energia celestial era mais usada para cura, não possuindo nenhum efeito nocivo como gelo ou fogo, mas a concentração dela formava um ar de alta densidade, que podia arremessar ou destruir coisas em que fosse lançado.

Zek se levantou e foi rapidamente para o lado de Jon, enquanto Lara continuava parada, como se estivesse esperando algo.

Outro rangido, agora do lado esquerdo de Lara, que não se moveu. Jon pôde ver um forte brilho dourado no lado esquerdo do rosto da garota, e logo depois ouviu um forte barulho na parede que ficava na direção contrária, como se algo tivesse sido arremessado nela. Já viu Lara fazer isso antes, algo tinha tentado a acertar, mas foi repelido em vez disso. Havia tanta energia do plano celestial concentrada a volta dela, que estava bloqueando o ataque do espírito e ainda o fazendo voar na direção contrária. Lara apontou a mão na direção da parede de onde veio o barulho e ela foi reduzida a nada. Em seguida voltou a observar o quarto.

— Mais algum?

Não houve resposta, até que escutaram vários rangidos ao mesmo tempo. Agora começava a fazer sentido, não era apenas um espírito, mas vários!

— Se segurem — disse Lara com um sorriso confiante.

Os olhos dela brilharam com ainda mais força, liberando a enorme concentração de energia que tinha acumulado em volta do corpo. Depois disso, todos no quarto foram arremessados para trás como se tivessem sido atingidos por algo. Não haviam mais paredes naqueles dois quartos, Lara mandou tudo pelos ares.

— Agora acho que foram todos… — disse ela, caminhando até a beirada do quarto, onde ficava a janela, antes dela demolir a parede. — Ou não… Zek, se prepare.

Lara estava olhando para o telhado de uma construção vizinha, onde a silhueta de uma criatura de mais de 3 metros de altura os observava. Não dava para ver direito, mas pela forma, era claramente um tipo de demônio. Quatro criaturas menores saíram de trás dele e pularam na direção dos destroços do quarto.

Zek entrou em posição de guarda. E Lara só levantou sua mão, para qual sua espada de gelo voou rapidamente. Eram humanoides musculosos de cerca de 1,80m de altura com pele avermelhada, dentes saindo da boca, e unhas que lembravam garras. Wurgs, uma variedade de demônio com grande força física e inteligência. Variavam de classe A a S, de acordo com o que Jon leu no guia da guild.

— Eles têm três vezes a força humana, são imunes ao fogo, fracos a gelo e as garras são venenosas, não deixem encostar em vocês! — gritou Jon, da forma mais clara que conseguiu. Era a única coisa que podia fazer para ajudar no momento. 

Duas das criaturas avançaram sobre Lara, que desviou dos golpes pulando para o lado, e depois fez um movimento no ar com sua espada mirando os inimigos. Uma forte rajada congelou tudo na direção do corte, mas as criaturas desviaram se jogando uma para cada lado. Lara não esperou, arremessando sua espada contra um deles antes que conseguisse levantar. O corpo do Wurg começou a congelar imediatamente, e quando ele tentou retirar a espada do seu peito, o processo acelerou ainda mais, até que virou uma estátua de gelo. O outro demônio, furioso, saltou contra Lara, mas foi arremessado com a mesma magia que Lara havia usado anteriormente para repelir os espíritos.

Como não era um espírito, não era o bastante para matá-lo, então ele se levantou e avançou contra ela. Lara colocou a palma da mão para frente e o arremessou de novo com magia celestial. A cada vez que ela usava a magia o demônio era jogado para trás e destruía uma parede com o corpo. Lara demoliu mais da metade do segundo andar do hotel repetindo o processo diversas vezes.

Se Joanne, Irene ou Zek tentassem fazer o mesmo acabariam sem energia e entrando em pagamento depois de 4 a 5 magias. Na verdade, só a energia que Lara acumulou no corpo e dissipou já era o bastante para quase zerar a energia espiritual da maioria. No entanto, lá estava ela, com energia espiritual baixa, evidenciado por nem sequer ter se recuperado do pagamento ainda, e conseguindo fazer aquilo tudo mesmo assim. “É um verdadeiro monstro”, era só o que Jon conseguia pensar. A garota de 13 anos na frente dele devia ser um dos membros da raça humana mais absurdos que já nasceu naquele mundo. “Por que tanto poder nas mãos de uma pessoa egoísta como ela?”, pensou Jon, tentando entender a vontade estranha dos deuses daquele mundo.

Com a criatura a uma boa distância dela, a garota puxou novamente sua espada, que saiu do corpo do inimigo congelado e voou para sua mão. Zek havia acabado de decapitar outra das criaturas, com mais dificuldade que Lara, já que estava com medo de machucar Jon no combate, o que estava limitando seus movimentos. A quarta criatura tinha agarrado Joanne, fraca demais para reagir por estar segurando a relíquia amaldiçoada. O demônio estava se preparando para saltar para o telhado da construção ao lado. Lara e Zek correram até o adversário, mas não chegaram a tempo, ele saltou.

Assim que a criatura saltou, algo colidiu contra ela, a jogando de volta no quarto. Joanne caiu a alguns metros da criatura, e quase agonizando, soltou a relíquia em sua mão, que Lara rapidamente saltou para pegar, antes que a fumaça negra saindo do objeto se espalhasse. Na beirada do quarto, encharcado pela chuva, e avaliando a situação, estava Arian, o vulto que tinha colidido no ar com o demônio.

O guardião e o demônio avançaram um contra o outro. Arian desviou das garras, girou empunhando sua espada bastarda e arrancou um dos braços da criatura. Em seguida, parecendo imune a dor de ter o braço arrancado, o adversário o atacou com o outro, que Arian não conseguiu desviar a tempo. Por sorte, as garras não conseguiram passar pela armadura dele. Os dois recuaram e depois avançaram de novo. Arian desviou do golpe seguinte e arrancou fora a cabeça do inimigo com um corte. Depois caiu de joelhos no chão, ofegante.

— Você está bem? — perguntou Lara, correndo até ele.

— O idiota não dorme há 2 dias, é óbvio que ele não está bem — disse Irene, que finalmente tinha se recuperado da pancada que levou do espírito, e estava com seu arco em mãos, mirando no vulto do ser de 3 metros, no telhado da construção vizinha.

Seja o que for que estava ali ameaçou pular na direção deles. Foi quando eles ouviram um uivo, e um vulto tão grande quanto o demônio que estava no telhado, saltou sobre ele. Ambos caíram em uma construção de 3 andares do outro lado da rua, arrebentaram parte dela, e continuaram a lutar ali mesmo, até que o demônio saltou para uma construção próxima, ao que parece tentando fugir. A outra criatura foi atrás, até que eles os perderam de vista. Arian se levantou, com dificuldade, saltou para o telhado vizinho, e correu atrás deles.

— Espera! Arian!

Lara claramente queria segui-lo, mas não tinha como. Ela então se ajoelhou também, parecendo estar com dor, e regrediu um pouco de tamanho, voltando a parecer ter uns 10 anos.

— Droga, gastei muita energia… Agora são mais dois dias para voltar ao normal — disse ela, suspirando e parecendo bem irritada.

Conforme a tensão deixava seu corpo, uma dor monstruosa voltou a atormentá-lo, e a visão de Jon começou a embaçar. Devido ao dia anterior, sabia bem o que isso queria dizer. Seja pela dor ou por ter perdido muito sangue, iria desmaiar. Seu último pensamento antes disso foi o quão irônico podia ser ele acabar em uma situação similar por dois dias seguidos, desde que chegou naquele lugar. E o quão inútil estava se sentindo perante o resto do grupo.

Antes de sua mente apagar, podia jurar que estava vendo alguém que não conhecia olhando para ele. Era uma garota de uns 9 anos de cabelo preto, apontando para Zek e dizendo algo, mas ele não conseguia entender. Ela então apontou em outra direção, Jon tentou virar o rosto com a intenção de ver para onde ela apontava, mas não tinha mais controle sobre seu corpo, e então, tudo ficou escuro.

Próximo: Capítulo 5 – Zekasta

Ilustrações de base:

Cidade de Amit