As Crônicas de Arian 2 – Capítulo 19 – A mulher sem sorte – Parte 2

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Capítulo 19 – A Mulher sem sorte – parte 2

— Henri acorda, é seu turno na vigia.

O soldado acordou zonzo, levantou da cama do pequeno quarto cheio de beliches, e seguiu para seu posto no portão principal da cidade de Anastus, que ficava a cerca de 1 dia de caminhada da fronteira com o Norte. Mais perto que eles da borda com o Norte tinha apenas Maz, que ficava quase em cima da divisão da fronteira. O vilarejo era muito pequeno, com aproximadamente 500 habitantes, o que levou Henri a sair de lá assim que fez 15 anos, para tentar ganhar a vida em uma cidade um pouco maior como Anastus. A vantagem era que se sentisse saudade da família, bastava pegar o cavalo que chegava em Maz no mesmo dia.  

“Mais uma noite de vigia tediosa”, pensou ele, checando o muro de pedra de pouco mais de 2 metros que cercava a cidade, e depois olhando para o céu encoberto por nuvens. Aquele lado do território da União Central era pacífico e nada acontecia por lá fora fazia alguns anos. Depois de mais de um ano tentando vigiar a entrada da cidade corretamente, ele havia desistido de se preocupar e achado uma forma de se distrair durante o turno, assim como os outros guardas. Henri olhou para os lados checando se o outro guarda que ficava no lado esquerdo do portão estava olhando. O homem estava cochilando em pé, nem disfarçava. Vendo isso, Henri tirou do bolso um pequeno caderno, onde começou a desenhar uma celestial em uma pose bastante sensual.

Seu sonho era se casar com uma, desde pequeno, mas infelizmente era algo pouco provável dele conseguir, já que sequer ver um desses seres naquele mundo era muito raro. Nada o impedia de imaginar no entanto, então um de seus maiores prazeres virou desenhar o que imaginava ser sua futura esposa um dia. Ele ficou desenhando por algum tempo, até que do nada, sua concentração foi interrompida.

— Socorro!

Na mesma hora ele olhou para a estrada escura que saia da cidade em busca da origem do som. Era uma voz infantil, provavelmente de um garoto.

— Por favor!

Não dava para ver. O guarda perto dele havia acordado, mas como era novato, não tinha a menor ideia do que fazer.

— Alber, vai tocar o sino de alerta e chamar os outros, eu vou lá ver o que é.

Assim que o guarda saiu, Henri pegou uma tocha, se encheu de toda a coragem que pode, e adentrou o breu da noite a sua frente. Não teve que andar muito para ver a silhueta de um jovem rapaz carregando outra pessoa apoiada em seu ombro. Assim que o garoto o viu, caiu de joelhos no chão, em uma mistura de alivio e exaustão. Sua roupa estava em farrapos e ele estava com alguns cortes pelo corpo. A pessoa que estava carregando era uma garota mais nova que ele. A tocha caiu de sua mão e ele correu até os dois assim que viu quem eram.

— Carnos? O que aconteceu?

Ao identificar o garoto, foi fácil saber quem era a garota que estava carregando. Era Bia, sua irmã mais nova, ele conhecia ambos de longa data. Na verdade, como sua antiga cidade era muito pequena, quase todo mundo se conhecia. Henri se aproximou e segurou a garota nos braços, estava quase desacordada, e com um ferimento grande nas costas.

— Henri, o Norte, meu pai…

— Sei que está nervoso, Carnos, mas não estou entendendo nada…

— Maz foi invadida por um exército do Norte. Eles estavam matando quase todo mundo que viam.

Henri não queria acreditar no que estava ouvindo. Após um breve instante de terror ao imaginar o que tinha acontecido com sua família, ele respirou fundo e pensou no que fazer.  Tinha que voltar logo e informar seu superior, talvez ainda cheguem a tempo de fazer algo se enviarem um esquadrão rapidamente.

— Certeza que era o norte e não um grupo de mercenários qualquer?

— Eram muitos, mais de 100 a cavalo, e usavam as roupas do exército do Norte.

Não havia muito o que discutir depois desse argumento.

— Vou carregar sua irmã, se apoie em mim Carnos. Cadê o seu pai?

— Ele… Três guardas nos perseguiram… nos lutamos contra eles, mas… — Sem conseguir completar, ele começou a chorar.

O garoto estava segurando uma faca na mão, e os cortes no corpo deixavam claro que ele brigou também. A irmã parecia bastante machucada e tinha sangue não só no ferimento das costas, mas na parte de baixo do vestido simples que estava usando. Henri nem queria imaginar o que aconteceu com ela. Furioso, ele continuou a caminhar de encontro ao pequeno grupo de soldados de Anastus correndo na direção deles para ajudar.

— Se foi mesmo o Norte que fez isso, eles vão pagar… — murmurou Henri, com os olhos cheios de fúria.

*********

Era fim de tarde em Stronghold, quando os comerciantes deixavam rapidamente as ruas para fugir do frio que assolava a capital depois que a luz do dia sumia. Era comum considerar aquela parte do dia como fim de expediente, mas no Castelo de Gelo, dentro do escritório do sábio Swarnes, um historiador muito famoso do norte, as coisas ainda estavam bem ativas com Juliet, a auxiliar em treinamento do príncipe, tendo uma aula particular que conseguiu depois de muita insistência.

— E foi assim que Lusefelt criou a lei sobre o Lich e aboliu cultos a ele… Satisfeita? Se não está devia, já que esse é um tópico que não abordamos profundamente nem mesmo com o príncipe ainda — disse um homem de uns 50 anos bastante magro e com um olhar esnobe. Seu cabelo curto, como sempre, estava penteado para frente, na tentativa de esconder as entradas que se formavam enquanto ele gradualmente ficava careca. Seu cabelo era de uma cor castanho claro incomum, e devido a isso diziam que na verdade já era branco e ele pintava.

De todos os sábios ele era o que Juliet considerava o mais neutro, nem parecia gostar dela, nem detestar, ele simplesmente a suportava para não desagradar o príncipe e manter seus luxos como professor de história, desde o salário ao acesso a prostitutas de luxo reservadas a realeza. O último era provavelmente a parte que ele mais gostava, fato um tanto quanto incomodo para ela saber, considerando que ele tinha mulher e filhos. 

A garota, pensativa, passou a mão de leve em seu cabelo loiro, amarrado em um rabo de cavalo simples.

— E ai, tem mais perguntas ou não? tenho mais o que fazer — disse ele com cara de tédio, enquanto examinava o corpo de Juliet de cima a baixo sem nem tentar disfarçar.

Ela estava usando um vestido bem simples, como sempre, na tentativa insistente de sua mãe em evitar que chamasse atenção. Ela tinha vários do mesmo modelo, só variando a cor. O de hoje era o branco com azul claro. Como auxiliar do príncipe, no entanto, não podia usar roupas de uma pessoa comum, e o vestido feito sobe medida acabava destacando melhor do que deveria as curvas já acentuadas do seu corpo.

— Você tem mesmo 12 anos? Minha filha mais nova tem essa idade e não tem metade desses peitos ou altura. Na verdade te daria 14 ou 15 com facilidade… Sua mente também funciona de forma bem anormal para sua idade…

— É, todo mundo diz isso… Só que não ficam me encarando de forma tão descarada assim quando o falam… — Juliet olhou para ele de forma meio desconfiada depois dos comentários impróprios.

— Não seja idiota, não tenho interesse em crianças, só me intriga saber se é você que se desenvolveu muito rápido ou minha filha muito devagar. 

— O filho do comandante recém vai fazer 13 anos e já parece ter pelo menos 16 também, então suponho que isso varia de pessoa para pessoa. 

— O Malfuris? De fato, parece ter bem mais que 13, mas creio que muito disso é devido ao treinamento militar. Tenho quase pena do que o coitado passa com aquele pai linha dura dele… Ainda assim, a variação na velocidade do desenvolvimento de pessoas da mesma raça ainda me intriga…   

Juliet aproveitou o devaneio para tentar voltar ao assunto principal.

— Bem, sobre o Rei Lusefelt, ainda não consigo entender o motivo, nem o padrão. Por que todo Rei em idade avançada começa a tomar decisões totalmente diferentes dos anos anteriores de seu reinado?

— Sabedoria ou loucura, minha cara, nunca teremos certeza… Mas talvez tenha algumas livros que a ajudem a tentar buscar uma melhor compreensão — O homem se levantou da cadeira, pegou uma taça de vinho e se virou para seu assistente, um homem perto dos 20 mais bem vestido que seu próprio mestre — Azavel, dê a ela os três primeiros livros do canto esquerdo da minha estante de obras reservadas aos sábios.

— Tem certeza? — questionou seu aprendiz, saindo de trás das diversas prateleiras de livro que estava catalogando. Assim que viu Juliet ele passou a mão no cabelo encaracolado, tentando arruma-lo sem sucesso para atrás.  

— Ela vai continuar me incomodando com perguntas achando que estou escondendo algum segredo oculto naqueles pedaços de papel velhos até ver com os próprios olhos o que tem neles e se decepcionar. Dê os livros a ela e bico fechado quanto ao assunto com os outros sábios. Depois a enxote daqui. Vou a cidade… pesquisar coisas.

Em seguida o sábio saiu pela porta e desceu para o primeiro andar do castelo.

Juliet segurou uma risada. Aquilo era quase seu código padrão para ele ir se divertir com alguma prostituta. Rapidamente o servo do sábio pegou alguns livros da estante pessoal dele e os entregou a Juliet.

— Obrigado, Azavel, se não fosse sua ajuda não teria conseguido essa reunião.

Juliet se levantou e se dirigiu a porta, mas antes que chegasse lá, o servo do sábio agarrou seu braço.

— Azavel?

— Eu consegui convencer o mestre a lhe dar outra aula particular. É sério que não vai me dar nada em troca? Tive que prometer não tirar folga pelo ano inteiro dessa vez!

Juliet fez uma cara feia, mas teve que admitir para si mesma que, mesmo de forma não proposital, estava usando o interesse daquele homem nela para conseguir vantagens com o sábio. Ela então lhe deu seu pagamento de sempre. Se aproximou dele e deu um beijo na bochecha.

— Grato, mas isso não é mais o bastante.

A garota o olhou descontente.

— Quanto quer então? Não ganho tanto como pensa, sou só uma auxiliar em treinamento.

— Não ligo para dinheiro, isso meu pai tem de sobra. Quero apenas que avancemos um pouco nosso… Bem, que tal um beijo em outro lugar dessa vez?

Azazel se aproximou desconfortavelmente dela. No que ela com um olhar de desgosto beijou sua testa.

— Feliz?

— Sério, Juliet? Não pode ser tão inocente assim…

— Não vou dar um beijo na boca de uma pessoa na qual não tenho interesse romântico, Azavel…

— Está guardando até isso para aquele príncipe tapado? Ou seria para Maufuris? As vezes acho que está brincando com os dois, e comigo também… De qualquer forma, é só um beijo, não é como se alguém fosse saber.

Azavel agarrou os ombros dela e aproximou seus lábios, no que Juliet soltou os livros que estava segurando e o empurrou.

— Já disse que não!

Ele então usou uma mão para tapar a boca dela e a prensou contra a parede atrás dela.

— Está louca? Se gritar aqui e um guarda chegar eles me matam — sussurrou ele, tirando a mão de sua boca.

— Me solte ou vai se arrepender.

O homem parecia cada vez mais irritado pelo olhar de desprezo de Juliet por ele.

— Será? E se eu fizesse algo muito maior que roubar um beijo? Arriscaria mesmo contar ao príncipe se eu tirasse sua virgindade? Perderia sua chance com ele…

— Jorge não é como aqueles nobres estúpidos, ele só ficária furioso de você ter me machucado e mandaria te prender.

— Está blefando… Não teria coragem de contar…

— Quer pagar para ver?

Juliet tentava manter sua fachada confiante, enquanto Azazel a segurava com cada vez mais força. 

— Parece que depois de hoje não vai querer chegar mais perto de mim, então vou ter que aproveitar minha última chance. Estou disposto a correr o risco…

O homem aproximou mais seu rosto e agarrou com força uma das pernas da garota. Em seguida levantou parte de seu vestido.

— Agora só fique quieta e… 

Antes que completasse a frase, o homem estava com a ponta de uma pequena faca levemente pressionada contra seu pescoço. Primeiro ele congelou, tentando entender de onde ela tirou aquilo, até reparar que faltava um pedaço do belo colar que Juliet usava. O pingente era na verdade uma pequena faca virada para cima, ela só havia o retirado e usado como arma.

— Não teria coragem de matar alguém… — disse ele, voltando a ficar calmo.

— Você pode se surpreender… — a garota parecia em uma luta consigo mesma para se manter calma e parecer confiante.

— Se me matar, vai ser presa, mesmo que diga que eu tentei algo…

Juliet perdeu um pouco da confiança nesse momento.

— É melhor do que me submeter a você…

— Veremos se tem mesmo coragem então.

O homem voltou a agarra-la com força, no que ela colocou mais força em seu braço direito, fazendo a ponta da faca perfurar de leve o pescoço do atacante. Não conseguia a coragem para enfia-la completamente. Podia mesmo matar alguém sem consequências?, pensou.

Antes que tomasse uma decisão, o pescoço de Azavel foi cercado por dois braços negros que o estavam degolando. Era Maufuris, um dos auxiliares em treinamento do rei, e filho mais novo do general do exército do norte. Ele manteve o pescoço do homem apertado até ele desmaiar. Em seguida, ele levantou, não parecendo nem um pouco abalado, e foi até Juliet.

— Você está bem? 

Juliet tentou recuperar a postura, mas suas pernas tremiam sem parar. Maufuris parecia tentado a segura-la, mas sabia que ela era orgulhosa, então estava em dúvida se a ajudava ou mantinha distancia.

— Estou bem, foi só um susto, não é como se fosse a primeira vez, mas a maioria para quando aponto essa faca para eles…

Ele então olhou para o homem desmaiado no chão.

— Nunca gostei dele, nem do irmão. Só conseguiram o cargo por conta do pai ter muita influência no comércio local. Pode mata-lo se quiser, eu deponho a seu favor. Ou se o desejar, eu mesmo o mato — disse o garoto, tentando se manter o mais calmo possível e não demonstrar a raiva que estava sentindo, bem como seu pai o havia treinado. Não era apenas o físico e postura séria, mas sim as reações frias a todo tipo de situação que deixavam difícil de acreditar que tinha apenas 13 anos. 

— Não, matar vai acabar com o sofrimento dele muito rápido. Se você me apoiar e relatarmos o que ele tentou fazer já é o bastante. Ele vai ficar congelando no calabouço do castelo para sempre — disse ela, olhando enojada para o rosto do homem desacordado.

— Levando em conta quem é o pai dele teria minhas dúvidas, mas como desejar.

Maufuris foi até Azavel, tirou uma fina corda que tinha na cintura, utensilio padrão do uniforme dos militares, e amarrou os braços e pernas do atacante. Enquanto o fazia, o príncipe Jorge surgiu na porta.

— Finalmente te encontrei, Juliet, não consigo encontrar sua mãe e preciso… — Jorge parou de falar ao ver Maufuris amarrando Azavel e depois reparar no estado de Juliet, que ainda parecia um pouco abalada. — O que aconteceu aqui?

— Azevel a atacou — disse Malduris.

Ele então correu até Juliet e tocou de leve seu ombro.

— Ele fez algo com você?

— Tentou… — falou ela, com raiva.

Jorge parecia totalmente espantado, e meio perdido no que falar para ela.

— Eu estou bem, Jorge. Mau chegou bem a tempo.

— Ainda bem… Vou chamar os guardas, fique aqui com ela, Mau.

— Não prefere que eu vá? — sugeriu o garoto.

— Não, se Azavel se soltar você luta muito melhor que eu, por mais que odeie admitir.

Jorge então saiu as pressas em busca de ajuda. 

Assim que o perdeu de vista, as pernas de Juliet cederam e la caiu de joelhos. Estava se esforçando ao máximo para não parecer abalada na frente deles, mas chegara a seu limite. Maufuris, a conhecendo bem, achou melhor não falar nada, apenas se virou de costas e ficou vigiando Azavel.

A garota então fechou os olhos e uma pequena lagrima escorreu por sua face. Por mais que não tivesse sido a primeira vez, aquilo era algo que ela nunca iria se acostumar totalmente. A faca que sua mãe lhe deu quando fez 9 anos, disfarçada como pingente de um colar, já a tinha salvo diversas vezes de coisas assim, mas a sensação de insegurança continuava. O que teria acontecido a ela se tivesse mesmo matado aquele homem? Ela podia ameaçar qualquer um, mas teria mesmo coragem de mata-los se fosse necessário? A falta desse certeza sempre fazia um calafrio percorrer sua espinha.

Queria desabafar, mas Jorge ainda era inocente demais para entender, e Mau, que era extremamente frio devido ao treinamento brutal do pai, só ficaria com um olhar de pena sem saber o que dizer. Sua mãe era uma opção, mas não queria preocupá-la. No fim, não tinha ninguém com quem pudesse descarregar o que sentia. O único caminho era continuar aguentando, na esperança de que um dia pudesse realmente fazer alguma coisa para acabar com aquele medo.

Pouco tempo depois a noite estava começando a cair no Norte, e o castelo de gelo aos poucos perdia seu brilho sem a luz do dia batendo nas pedras azuladas de sua construção. Em uma das torres mais altas do castelo, no quarto do avô de Jorge, Madrid, seu assistente pessoal, fazia o relatório do dia.

— O grupo deixou Amit e está novamente se dirigindo para Sunkeep.

— Que pena… Pensei que Arx conseguiria segura-los por mais tempo. Era a vida da fiha dele em jogo, afinal.

— Arx foi morto pelo classe SS hibrido. Sua filha assumiu o trono se passando por alguém da família a poucos dias.

— Ele conseguiu ressuscita-la? 

— Segundo Atlas reportou, foi uma bruxa antiga do Sul que a trouxe de volta. Ela tem que consumir almas a cada tanto tempo para manter seu corpo, então parece um método muito similar ao do Lich.

— Interessante, nunca vi conseguirem com alguém tão novo… E onde está o grupo agora?

— Devem estar a uns 3 dias de Sunkeep, na encruzilhada entre a estrada principal e o caminho para cidade dos meio-elfos.

O velho pareceu preocupado.

— Estão muito perto… E nos ainda nem partimos… Como estão os planos com o contato em Sunkeep?

— Ele disse que está quase pronto. Mas duvido que o grupo chegue em Sunkeep tão cedo. Estão reportando uma tempestade de portais no meio da estrada principal. Isso vai atrasa-los em mais alguns dias.

O avô de Jorge sorriu aliviado.

— Parece que a sorte está do nosso lado, no fim das contas… E o Lancaster, ainda em Amira? 

— Como requisitou, mandei ficarem de olho nos movimentos dele nos últimos dias. Um dos nossos espiões relatou que ele foi visto a dois dias na Cidade das Dungeons, e parecia estar se preparando para entrar no grande abismo. 

— O que ele quer naquele lugar? Dinheiro? Ele deveria ter de sobra.

— Depois do incidente em Amira alguns dias atrás a cidade recebeu anonimamente uma grande doação para reconstrução do que foi destruído e compensação das famílias dos mortos, não precisaram tirar nada do dinheiro dos impostos da cidade. 

— Isso não prova nada…

— Segundo um dos informantes da administração de Amira o dinheiro veio com uma carta requerendo que parte da quantia fosse gasta em uma nova estátua de Amira e Lancaster juntos…

Victor colocou a mão no rosto incrédulo com o que estava ouvindo, tentando segurar uma risada.

— Teorizo que Amira convenceu Lancaster a doarem todo dinheiro deles para reconstruir a cidade e fazer essa estátua, e sem dinheiro eles foram até a cidade das dungeons para conseguir novas relíquias para vender. Pelo que é descrito da personalidade da Lux, ela dificilmente aceitaria uma vida sem luxos.

Assim que escutou o nome da celestial a expressão leve de Victor se tornou rígida como pedra.

— O que eu já disse sobre citar o nome dessa abominação?

— Peço desculpas, senhor, só estava reforçando minha tese. Em resumo, não acho que eles estão preocupados ou cientes de nossa investida contra Sunkeep. Assim que entrarem no grande abismo em busca de relíquias dos elfos antigos, não vão sair por pelo menos 15 dias, deve ser tempo o bastante para realizar o que o senhor tem em mente.

— Excelente… 

— A proposito, chegou uma mensagem de Arthur Frost ontem, ele disse que vai junto na missão. Vai nos encontrar no acampamento do exército perto da fronteira com o Sul.

O velho parecia intrigado.

— Aquele idiota nunca ligou para a guerra, por que nos ajudaria agora…?

— Ele parece estar curioso com os alvos, principalmente a anomalia, o Rank SS hibrido.

— Que seja, por mais que ache que o modo que ele usa seus talentos é um desperdício, ele ao menos é confiável. Vamos resolver o problema da Denise e eu vou partir.

— Certo.

— E mais uma coisa, como está o caso da Juliet? 

— O pai de Azavel pediu uma reunião com você. Ele quer o filho livre até amanhã.

— Não precisa da reunião. O liberte, mas não o deixe mais se aproximar do castelo.

— Certeza? Ele pode tentar algo com a garota outra vez.

— Por mim ele seria morto, mas o pai controla 30% de todo o comércio do Sul. Não posso arriscar esse impacto na economia.

— Não é mais fácil só ameaça-lo?

Ele riu.

— Medo funciona, é fato, mas desisti de manter um reino a base disso a muito tempo. Tentei usar poder e força por anos, e sempre deu errado. O que impede o idiota de ficar nervoso com a ameaça, contratar um classe S, ou ainda pior, conseguir um SS, e acabar matando meu neto em um conflito? Não importa o quão forte alguém se torne, não se pode prever tudo que vai acontecer, ou estar em todos os lugares que precisa. Perdi muito nessa vida até aprender isso.

O homem fez uma cara amargurada de quem estava lembrando de coisas desagradáveis, e em seguida continuou.

— Não posso fazer como Lancaster e ficar grudado ao que mais me importa na vida todos os dias pela eternidade, então só me resta evitar conflitos desnecessários, ao menos dentro do meu próprio reino. De inimigos já nos basta os malditos do Sul.

— Concordo, mas ele pode acabar confiante demais tendo o filho solto tão fácil.

—  Essa é a ideia, quero ele confiante e descuidado. Então por mais que deteste ceder, prefiro engolir meu orgulho agora e dar a esse desgraçado do pai do Azavel o que ele quer, por enquanto. Paciência é o maior dos dons que ganhei com o tempo, frieza e paciência, na verdade. O homem vai ter o que merece, no devido tempo, e de forma a não prejudicar esse reino — ao dizer isso, o velho fez um olhar de quem tinha algo muito ruim em mente.

— Entendo…  

— Fique de olho na Juliet disfarçadamente enquanto eu estiver fora. Pensei que tinha me livrado de todos os idiotas de olho nela ano passado, mas esqueci que os sábios mudam de assistentes o tempo todo.  

— Sei que gosta dela, mas vale todo esse esforço?

— Se algo acontecer a ela, Jorge quebra… Ele tem muitas qualidades, mas a capacidade de aceitar perdas ou a objetividade necessária para deixa-las de lado, não é uma delas. Lembra quantos anos ele ficou desolado depois que sua mãe morreu? Pensei que nunca voltaria ao que era, até que encontrou aquela bendita garota na biblioteca e voltou a ganhar vida nos olhos. Se ele perder ela também, nunca mais vai voltar.  

— Entendo, vou ficar de olho nela — Após dizer isso, Madrid olhou os papeis em sua mão e fez uma cara séria. Ele basicamente havia guardado a pior notícia para o final. — Mais uma coisa, parece que nosso exército atacou um pequeno vilarejo na fronteira com a União central.

A expressão dele congelou, mas ele não falou nada, apenas olhou apreensivo esperando Madrid terminar.

— O conselho da União pediu explicações e seu filho afirmou que eles foram atacados por alguns guardas do vilarejo quando estavam perto do local, sendo o ataque que fizeram depois apenas uma retaliação.

— Aquele imbecil…. — Victor apertou parte da cadeira em que estava com tanta força que o apoiador de mão quebrou — Qual cidade?

— Maz, a cidade era pacifica e os dois sobreviventes que conseguiram fugir dizem que eles foram atacados do nada, sem motivo. A cidade está quase intacta, mas todos os homens foram mortos e as mulheres violentadas pelo exército e mortas em seguida.

— Crianças?

— Mortas também, mataram toda alma viva que encontraram na cidade.

A sala inteira ficou gelada ao mesmo tempo que um trovão ecoou nos céus.

— Tentando não deixar testemunhas… 

Victor parecia que ia explodir em fúria. Sua respiração estava pesada e seus olhos estavam com um estranho brilho azulado. Ele então fechou os olhos por algum tempo, respirou fundo, e perguntou.

—  Algo mais?

— A União central está pedindo permissão para investigadores entrarem pela fronteira para averiguar o que realmente aconteceu. Seu filho negou a permissão, então mandaram outra requisição para o senhor. Não falaram diretamente, mas deixaram implícito que todos os lordes do concelho da União concordaram em cortar parte do comércio conosco por tempo indeterminado se não tiverem permissão para adentrar a fronteira e interrogar cada um dos envolvidos no ataque a cidade de Maz.

— Quantos habilitantes tinha a cidade e quantos homens invadiram?

— O vilarejo tinha aproximadamente 500 habitantes. Usaram dois esquadrões, então 200 soldados participaram da invasão. Um grupo invadiu o centro da cidade e outro as fazendas a volta do local. 

— Quem mandou a carta?

— O Rei de Moonsong, Alexander. Que eu me lembre o senhor o conhece pessoalmente.

— Sim, o Rei dos vampiros… Já quase nos matamos no passado, mas é a pessoa que mais respeito da União. Talvez seja o melhor exemplo desse mundo do que um Rei deveria ser.

O homem começou a balançar a cabeça de um lado para o outro, pensando no que fazer.

— Nissius vai conseguir destruir a paz que levei tantos anos para construir em dias… Deve ser o pior Rei que o Norte já teve… Se não fosse a lei de sucessão nunca teria dado o trono a ele…

O velho então se levantou e começou a andar de um lado a outro do quarto, pensativo.

— Jorge tem que chegar aos 16 logo e assumir antes que o imbecil do pai acabe com o Norte… Diga-o que eu mandei deixar os investigadores da União entrarem e vistoriarem o acampamento. E se ele fez o que penso diga para dar um jeito por si mesmo dessa vez, seja matando os soldados que participaram ou fazendo com que todos tenham o mesmo discurso quando forem interrogados. Se perdermos o comércio com a União Central metade do Norte vai morrer quando o inverno chegar para valer e as plantações morrerem. 

— Certo… Isso é tudo. Quer ajuda com Denise?

— Não, eu cuido dela, vá enviar a carta para o concelho da União, imediatamente. 

— Sim, senhor. E a propósito, o Sacrifício está pronto, aqueci o corpo dela o máximo que pude. 

— Acha que ela sobrevive mais um vez?

— Acho pouco provável, a não ser que queira arriscar tirar algumas daquelas estacas que estão bloqueando os poderes dela. Se retirar apenas uma ela deve conseguir produzir sangue, mas existe o risco de ficar forte o bastante para tentar se soltar também.

Só pensamento daquilo acontecendo já fez o homem arregalar os olhos.

— É… Não vale a pena, ela mataria todos nós e colocaria o castelo abaixo depois de tudo que fiz com ela…

— Sem dúvidas.

Depois de dizer isso, Madrid se virou e saiu a passos rápidos pela porta.

 Victor então se levantou e abriu a porta secreta atrás da prateleira de seu quarto. A janela havia sido fechada para bloquear o frio, deixando apenas um pequena brecha para entrar ar. Como sempre, a mulher na cruz estava imóvel, parecendo um corpo sem vida. A volta dela estavam várias pedras incandescentes esquentando seu corpo. Ela ainda parecia pálida, mas menos comparado a 3 dias atrás quando Victor a visitou. 

Presa a correntes a parede perto da cruz, estava outra mulher, Denise. Assim que o viu, ela se levantou do chão tremendo muito do frio.

— Kraven, o que está acontecendo? Eu desmaiei e quando vi estava presa nesse lugar.

O homem não respondeu, apenas continuou caminhando lentamente em sua direção, com um olhar frio.

— Kraven?

— Pare de se fingir de idiota Denise, sabe muito bem por que está aqui.

— Não, não faço ideia — Qualquer um diria que ela estava sendo honesta, devido a seu olhar inocente.

— Muito bem. Lembra do que lhe falei quando sua filha virou concelheira do meu neto?

A mulher pensou por um tempo e então disse:

— Não deveria usar isso para conseguir vantagens, a não ser que elas viessem diretamente da vontade do príncipe.

— Exato. Lembra o que falei que aconteceria se descumprisse isso?

Apos pensar por um tempo, ela entendeu do que ele estava falando.

— Eu apenas comentei por alto dos impostos altos que pegavam muito do meu salário, não pretendia influenciar o príncipe a baixar os impostos do reino inteiro!

O homem riu da cara de pau de Denise.

— Então achou mesmo que a mãe da garota que ele gosta, sua empregada pessoal, soltar um comentário desses não influenciaria em nada sua mente?

— Nunca vão aprovar isso de qualquer forma, por que tudo isso? — gritou ela.

— Porque você me deu sua palavra, e é uma mulher inteligente, sabia exatamente o que estava fazendo quando comentou aquilo com Jorge.

Denise não falou nada.

— Você ficou confiante demais com tudo que ganhou, e acabou esquecendo que descer é mais fácil do que subir, Denise… E claro, todos nos temos que pagar por nossos erros, caso contrário não aprendemos.

Denise não olhou para ele, apenas abaixou a cabeça e suspirou, cansada.

— Justo… Mas se me matar o príncipe não vai gostar.

— De fato, está sumida a menos de um dia e ele já perguntou por você. Mas entenda, tem coisas bem piores que a morte, acredite…

A mulher não se assustou com a ameaça. Na verdade já parecia estar esperando algum tipo de punição, ou até a morte. 

— Faça o seu pior — desafiou ela.

O homem riu.

— Acha mesmo que depois do que passou na vida nada pode ser pior?

— A única coisa que pode fazer de pior você nunca vai fazer, porque seu neto nunca o perdoaria.

— De fato, não pretendo fazer sua filha pagar por seus crimes. Mas está vendo essa mulher na cruz a seu lado? Era um dos seres mais poderosos desse mundo, e olhe para ela agora. Tudo que precisei foi planejamento e muita paciência. Você, em comparação, é um caso muito mais fácil de resolver.

— Vai me matar?

O homem se aproximou e ajoelhou perto dela. Seus olhos mudaram brevemente de cor, ficando meio azulados.

— Não… Mas você vai desejar morrer, acredite.

Ele então tirou um colar do bolso e o colocou no pescoço dela. No mesmo momento ela ficou com um olhar horrorizado e começou a gritar desesperadamente.

— Não, por favor, não façam isso! Não! Não!

— Como eu disse, morrer não é nada comparado a isso.

Em seguida Madrid apareceu.

— Já enviei a carta.

— Excelente.

— O que devo fazer com ela? — perguntou ele, olhando para Denise em prantos no canto da sala.

— A deixe ai até amanhã de manhã, mais que isso vai afetar sua cabeça de forma permanente.

— O que acha que ela está vendo? Revivendo seus tempos de escrava? — perguntou Madrid, curioso com o desespero da mulher.

— Não é reviver seu passado o que ela mais teme… No caso dela, o maior temor é a segurança da filha. Só imagino o que o colar está fazendo ela ver fazerem com sua filha na frente dela, provavelmente algo parecido com o que ela passou durante a vida… 

O velho a olhou quase com pena.

— Ver isso deve ser bem pior do que reviver seus tempos de escrava. É uma dor nova, algo que ela nunca sentiu antes, e portanto, doí bem mais.

Em meio aos gritos desesperados de Denise o homem se dirigiu a outra mulher presa a cruz. Seus cabelos dourados espalhados a volta do corpo eram a única coisa que ainda pareciam ter vida nela.

— Já aguentou bem mais tempo do que eu esperava, Mirax, e espero honestamente que me surpreenda de novo dessa vez, pelo bem do meu povo e do seu filho. Caso contrário, terei que acelerar meus planos de usar ele como seu substituto.

Dizendo isso, o homem mordeu seu pescoço com força, sugando o pouco sangue que ainda passava por aquela veia. A boca quase sem vida da mulher se abriu minimamente. Ela não conseguia mais gritar, não tinha mais forças, mas soltou um leve suspiro, provavelmente o último que daria em sua vida, tentando falar o nome do filho.

— Marven…

Próximo: Capítulo 20 – Isekais

Comente o que achou do capítulo, o autor agradece.

PS: O capítulo ainda não passou pelo revisor, então pode conter alguns errinhos.

Curiosidade:

Esse capítulo foi engraçado de criar, e trabalhoso. Inicialmente era só a parte do Avô do Jorge e o servo, com a parte da Denise no final. Mas fiquei com a sensação que estava faltando algo, então adicionei um trecho do final da invasão a cidade como Tease no começo, ao invés de apenas citar que ocorreu, como era o plano inicial. Não é essencial, mas dá mais peso ao ocorrido comparado a apenas citar por alto. Depois decidi acrescentar uma parte com o elenco mirim, já que eles vão ir ganhando mais importância ao longo dos livros, e se mostrava uma boa oportunidade de apresenta-los um pouco melhor. Podia fazer isso em uma situação cotidiana, mas seria não só comum, como provavelmente chato, então tentei achar uma situação mais interessante e um pouco mais tensa, que service para demonstrar bem a personalidade de cada um deles.

Conclusão?

Versão rascunho do cap – 800 palavras.

Revisão 2 (De 1 para 2 narrativas em locais separados) – 2400 palavras. 

Revisão 3 (De 2 para 3 narrativas) – 3900 palavras.

Revisão 4 (Encorpar e corrigir erros) – 5100 palavras.

Esse é um bom exemplo de que embora eu saiba bem para onde vai a história, ela pode acabar sendo sensivelmente ampliada em tamanho ou complexidade quando começo a colocar no papel o que é apenas uma ideia base do que iria acontecer. 

Como sempre, estou ciente de que sair do grupo principal não é do agrado de todos. Eu mesmo tenho esse sentimento em histórias, e por isso estou trabalhando a parte externa de forma bem gradual, e tentando deixa-la o menos tediosa possível. Se notarem no livro 1 tem apenas um capítulo bem curto no Norte, enquanto livro 2 vai ter uns 4 bem maiores (já foram 2).

A ideia é ir expandindo o mundo e dar desenvolvimentos interessantes a personagens que virão a ter papeis mais importantes na história em algum momento, além de permitir a expansão gradual do conhecimento do leitor quanto ao mundo, seja através de ações ou diálogos. No próximo capítulo voltamos ao grupo central.