As Crônicas de Arian 2 – Capítulo 1 – A Mulher sem sorte

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Capítulo 1 – A Mulher sem sorte

O sol estava se pondo, e a neve caía lentamente do lado de fora, como ocorria quase todo dia em Stronghold, maior cidade do Norte e capital do reino. Encostado em uma montanha, na extremidade norte da cidade, ficava o Castelo de Gelo, que ganhou esse nome pela ponte de gelo que o separava da cidade, e pela cor azulada das pedras com que fora construído. A volta dele haviam 13 distorções sugando lentamente o ar a sua volta, eram portais permanentes. Construir um castelo no meio deles parecia loucura, mas eles serviam de proteção. Caso um portal temporário surgisse do nada por ali, eles sugariam o que saísse dele, ou mesmo anulariam o portal. Fora isso, serviam de proteção contra ataques externos, e ainda reduziam a neve que chegava até o castelo, já que sugavam boa parte. A única passagem segura, e sem portais, era pela ponte de gelo, limitando a linha de ataque que um inimigo poderia tomar.

Dentro do castelo, em uma sala espaçosa, com uma grande lareira esquentando o ambiente, dez homens de idade avançada estavam sentados em uma mesa retangular. Na ponta dela, um garoto loiro, no começo da adolescência, respondia a várias perguntas feitas por cada um deles. Cada um dos sábios ali tinha uma especialidade distinta, de política a arte da guerra.

Atrás do garoto haviam mais três crianças, variando de 11 a 14 anos de idade. Um garoto de cabelo preto, com uma barriga bem protuberante e parecendo entediado, um garoto negro com corte de cabelo militar e olhar sério, e uma garota loira de olhos verdes, com um rosto que encantava qualquer um que olhasse para ela. De todos ali, era a mais interessada em tudo que os sábios diziam, e na discussão que o príncipe, Jorge, herdeiro do trono do Norte, estava tendo com os sábios.

Embora as crianças mais atrás tivessem menos atenção dos sábios, elas podiam ter a honra de partilhar das aulas, e até eram permitidas fazer perguntas às vezes. O sistema era uma forma de criar um grupo bem instruído e de confiança para o príncipe, que no futuro assumiriam cargos de confiança ao lado dele. A parte estranha, era que mulheres nunca fizeram parte desse grupo no norte, ao menos não até aquele ano.

— Devido ao nosso conflito com o Sul, o comércio com a união central se faz de extrema necessidade para a diversidade da alimentação e matéria-prima, por isso um confronto com eles deve ser evitado a todo custo.

— Correto, Jorge. E como o sistema de governo deles se diferencia do nosso, por exemplo? — perguntou o chefe dos sábios, Marzet, enquanto passava a mão em sua longa barba branca.

— A União Central não possui um Rei, sendo composta por vários países de pequeno e médio porte com Reis em cada um deles em vez disso.

— E como esse sistema nos beneficia?

O garoto ficou pensativo por um tempo…

— Em dúvida? Muito bem, algum de vocês quer tentar auxiliar seu futuro Rei? — disse Marzet, olhando para os três auxiliares atrás do príncipe Jorge.

O garoto de cabelo preto abaixou a cabeça, o negro ficou pensativo, e a loira rapidamente deu um passo para frente e sussurrou algo no ouvido do príncipe, que em seguida respondeu a pergunta.

— Podemos negociar com vários reinos distintos para conseguir preços melhores, ao invés de depender de um só governo. 

— Não é apenas isso, mas é uma boa resposta. Continue provando seu valor, Juliet, e quem sabe esses velhos ranzinzas do conselho comecem a achar que colocar uma mulher como candidata a auxiliar do príncipe não foi uma ideia tão ruim.

— Obrigada, mestre Marzet — disse a garota, se inclinando levemente e piscando para o garoto loiro à frente dela, que sorriu de volta.

— Tenho uma pergunta.

— Sim, príncipe, qual é?

— Os impostos… Temos dinheiro sobrando atualmente… Não podemos reduzir eles temporariamente?

Os vários homens à mesa começaram a rir sem parar, menos um deles, que olhou de forma séria para o príncipe.

— Por mais que admire sua inocência, meu príncipe, está sendo tolo. Vamos supor que cortemos os impostos. Como acha que as pessoas iriam reagir quando precisássemos de dinheiro e os colocássemos de volta? — questionou o sábio especializado em política, Freud.

— Não acho que teria problemas…

Os sábios se olharam, segurando o riso.

— Suponho que seja um erro nosso, estamos lhe ensinando tanto a teoria que o senhor está ficando iludido quanto às variáveis do comportamento humano. Ou seja, falta a prática, mas isso é algo um pouco mais complexo de ensinar, portanto, vai ter que acreditar nas nossas palavras, pelo menos por enquanto. 

— Não entendo… Não podemos ao menos diminuir um pouco nossos impostos? Recolhemos bem mais do que gastamos.

A reação dos sábios à mesa variava de nervosismo e deboche com a insistência do garoto. Até que o mais velho deles, Marzet, respondeu.

— É muito bondoso da sua parte, príncipe, mas sem essa reserva de dinheiro, teríamos que pedir vários empréstimos durante uma vindoura guerra, e qual o problema dos empréstimos… se lembra?

— Os juros…

— Exato, por isso ter reserva de dinheiro nunca é algo ruim.

A discussão continuou, enquanto um senhor encostado perto da porta, observava tudo. Embora em idade avançada, não aparentava mais de 60 anos, sempre com seu cabelo bem penteado e barba feita, só o rosto, anormalmente pálido, causava estranheza. No presente momento, estava rindo da proposta do seu neto, ao mesmo tempo que reparava com o canto dos olhos na empregada pessoal do príncipe, Denise, que estava encostada na parede do outro lado da sala, bastante atenta a garota loira atrás de Jorge. Não à toa, já que era a filha dela, provavelmente a única filha de uma plebeia que já se tornou assistente pessoal de um futuro Rei naquele mundo, ao menos que tenha ouvido falar. Ele pesquisou sobre Denise assim que seu neto a pediu como empregada pessoal. Depois, testando a sua honestidade, pediu que a mesma contasse sua história, para ver se batia com o que tinha descoberto, e diferente da maioria daquela sala, a história de vida dela era muito interessante.

Denise nunca teve muita sorte na vida. Sua mãe morreu de uma doença grave alguns anos depois dela nascer, e o pai, um mercador falido que vivia bêbado, batia nela sempre que ficava nervoso com algo, o que ocorria quase todo dia. Ao que parece, ele fazia isso com sua esposa também, mas a mulher conseguiu disfarçar isso da filha por 6 anos. A única parte do corpo da filha sem marcas era o rosto, seu pai nunca batia nele. Aos 10 anos ela entendeu o porquê, quando ele a vendeu como escrava para pagar suas dívidas. Como ela era muito bonita, com cabelos loiros bem lisos até a cintura, e olhos verde-claros, chamava muita atenção. Seu rosto tinha quase que uma maquiagem natural, que realçava os olhos e a boca. De bônus, sua mãe havia a ensinado a ler, o que também era bastante valorizado.

As cicatrizes no corpo faziam o valor cair um pouco, mas ainda valia muito para nobres com desejos sórdidos. O homem que a comprou não a tratava mal, na verdade, foi um período melhor do que apanhar para seu pai quase todo dia, ela só teve que aprender a agradá-lo, e fingir que nada acontecia entre os dois para a irmã dele. Afinal, o homem disse à família que a adotou por bondade. Quando não estava com ele, passava todo resto do tempo lendo algo na enorme biblioteca da mansão, se perdendo em história de pessoas mais felizes que ela, ou aprendendo algo com pessoas que nunca viu, mas que admirava por se darem ao trabalho de tentar passar a ela tudo que aprenderam naqueles pedaços de papel. Seu dono, no entanto, só tinha interesse em garotas mais novas, e quando ela fez 14, a revendeu para outro nobre. Foi aí que seu inferno pessoal começou…

Existem muitas pessoas com fetiches estranhos, como ela já tinha descoberto em livros, que provavelmente não eram próprios para sua idade. A maioria dos seres normais tentava conter esses desejos, mas nobres cheios de dinheiro não tinham essa limitação. Ela foi presa em um quarto velho de uma mansão gigantesca, e daí para frente ela virou o brinquedo de um novo homem, baixo, barbudo e com um hálito desagradável, que dentre outros fetiches, gostava de torturá-la de toda forma imaginável, e até algumas das quais ela nunca tinha lido sobre. Nunca pensou que iria preferir apanhar do que ter o corpo todo lambido de uma ponta a outra por alguém.

Ele só a visitava uma vez por semana, mas dependendo do seu humor, e do que queria fazer, a deixava incapacitada por várias semanas. Chegou a ter as pernas e braços quebrados em vários locais diferentes. Pelo que descobriu com os criados que vinham tratar seus ferimentos, haviam outras garotas, e ele ia revezando com quem ficava a cada noite, para não morrerem no primeiro mês. A maioria, no entanto, não durava muito mais que 1 ano. Denise não era uma delas, ela aguentou por 3 anos, até que o homem se cansou do seu corpo, já extremamente degradado. Estava esquelética, com o rosto desfigurado e com o corpo todo marcado, não tinha mais valor algum para venda, então ele simplesmente a colocou na rua. Ela então passou de escrava a mendiga.

Comeu sobras do lixo para sobreviver, e fez qualquer serviço que encontrasse para conseguir dinheiro. Sua perseverança vinha de uma crença muito simples: ela acreditava que enquanto estivesse viva, teria a chance de mudar seu destino, seu azar, como vários personagens das histórias que leu. Se aquelas pessoas podiam dar a volta por cima, ela também podia, bastava ter paciência, bastava aguentar mais um pouco, e não importa o que acontecesse, ficar calma e pensar friamente na situação. Fazendo isso, já havia passado de uma escrava a uma moradora de rua, em apenas 7 anos, o que embora não aparentasse, era uma evolução. Tinha chegado ao fundo, e de lá só poderia subir, era o que não saía de sua mente.

Passou por muitos serviços sortidos, e até roubou, o que a obrigava a mudar de cidade. Depois de algum tempo finalmente conseguiu se estabilizar como garçonete de um bar na principal cidade do norte, Stronghold. Denise estava com 20 anos nessa época, mas parecia mais velha devido aos maus tratos e rosto cheio de cicatrizes. Ainda assim, usando de sua inteligência, analisando o comportamento dos clientes, e o que aprendeu em livros, conseguiu fazer várias sugestões que aumentaram a clientela do local, e acabou virando a gerente do bar depois de 1 ano. O dono do local acabou se apaixonando por ela, e depois de alguns anos, a pediu em casamento. Denise nunca esqueceu desse dia, pois foi a primeira vez que chorou de felicidade em 21 anos de vida. Nunca imaginou que algum homem teria interesse nela na situação que se encontrava, e menos ainda acreditava que as pessoas podiam ver mais do que a parte externa de alguém, mas ficou feliz de estar enganada.

Como presente de casamento, seu marido gastou uma fortuna para tentar sumir com as cicatrizes em seu rosto. O processo era doloroso, tinham que cortar a pele com a cicatriz e regenerar com magia. Para ela, no entanto, isso não era nada, já sofrera coisa muito pior. Em algumas semanas de tratamento, conseguiu seu belo rosto de volta. Um ano depois eles tiveram uma filha, quase que idêntica a mãe, tanto na beleza quanto na capacidade de aprender rápido. Eles a chamaram de Juliet. Aos 7 anos, a garota já conseguia ler qualquer coisa, e tinha uma fome insaciável por conhecimento. Denise se sentia realizada pela primeira vez desde que nasceu, tinha uma família maravilhosa, mais dinheiro do que precisava, e o mais importante, paz… Ao menos até ele voltar…

Seu pai estava vivo, e a reconheceu enquanto ela fazia compras no centro da cidade. Ele então passou a pedir dinheiro ao marido dela toda semana, que com o tempo se cansou e o proibiu de chegar perto do bar. As coisas voltaram ao normal por alguns meses, até que uma noite, o pai dela voltou com dois mercenários, matou o segurança do bar, e depois o seu marido, enquanto ele tentava proteger a esposa e a filha. Denise, ao ver o marido cair com uma faca cravada ao peito, saltou furiosa para cima de seu pai, mas, infelizmente, ele era mais forte. Quando o homem estava prestes a levar Denise e a filha com ele, a guarda da cidade chegou ao bar e ele foi obrigado a fugir com os mercenários.

Denise achava que tinha encontrado seu final feliz, mas descobriu que só porque chegou ao ápice da felicidade, não significa que vai conseguir mantê-la. Isso, os livros com final bonito que leu não lhe contaram. Chorou por semanas, mas se levantou novamente, agora com a ajuda da filha, ainda arrasada com a morte do pai, que sempre a mimou muito. O bar agora era seu, mas não podia ficar ali, seu pai com certeza voltaria um dia. Decidiu então pedir ajuda a um amigo de seu marido, o capitão da guarda da cidade. Ele conseguiu colocar as duas dentro do castelo, como empregadas. Sua filha, Juliet, era muito nova para o serviço, mas a chefe das empregadas ficou encantada com a garota, e aceitou contratá-la para um serviço diferente, do qual Juliet gostou muito. Ela iria ajudar a cuidar da biblioteca do castelo. Tinha que manter tudo limpo e organizar os livros, frequentemente consultados por sábios e nobres que visitavam o castelo. A mulher que fazia isso não estava aguentando o serviço sozinha, então a ajuda foi bem-vinda. Juliet adorou o trabalho, mostrando uma maturidade e inteligência acima do normal, logo ficou encarregada também de ler e resumir em uma página, o que cada novo livro que chegava na biblioteca tratava. Ela então colocava o resumo em um longo arquivo.

Já Denise, se mostrando absurdamente competente, e ajudando com frequência a chefe das empregadas em assuntos complexos, virou a subchefe das empregadas do castelo. Se tinha algo que ela sempre apreciou no Norte, era como a cultura da meritocracia funcionava, e serviçais corruptos eram punidos severamente. Graças a isso, conseguia se destacar em qualquer coisa, desde que se esforçasse.

Uma coisa, no entanto, ela não previu. O príncipe ficou encantado por Juliet, assim que a descobriu na biblioteca. Ele ia lá todos os dias em seu tempo livre, e os dois conversavam sobre várias coisas, mas principalmente os livros que mais gostavam. As idades eram próximas, ele era apenas um ano mais novo. Inicialmente, Denise pensou que ele tinha interesses sórdidos, como quase todo nobre que colocava os olhos na sua filha. Até por esse motivo, Denise obrigou Juliet a amarrar o cabelo e usar óculos, como forma de chamar menos atenção. Mas isso não impediu o príncipe de se interessar por ela. Felizmente, ele tinha uma boa índole, e era até meio inocente comparado a outros jovens daquela idade que já viu. Depois de dois anos de convivência, Jorge tornou Denise sua empregada pessoal. Ela achava que ele fez isso para agradar Juliet, mas depois descobriu o real motivo. Tendo ela a seu dispor quase o tempo todo, ele podia ficar fazendo perguntas sobre Juliet disfarçadamente para Denise, e ninguém melhor para conhecer a garota do que a própria mãe.

Quando Juliet fez 12 anos, ele insistiu de todas as formas para colocá-la no seu grupo de assistentes pessoais, que ocupariam cargos importantes a seu lado quando se tornasse Rei. O pedido foi negado várias vezes, até que o príncipe desafiou os sábios, afirmando que ele precisava de assistentes, os mais inteligentes possíveis para governar direito no futuro, e portanto, se Juliet se mostrasse mais inteligente do que seus assistentes atuais, ela merecia uma chance. O argumento funcionou, e Juliet virou a primeira mulher a se tornar a assistente pessoal de um príncipe. Ela não só passou nos testes dos sábios, como humilhou por muito os outros assistentes de Jorge. Com isso conseguiu seu lugar, ao lado de Altis, neto de um dos sábios, e Maufuris, filho do chefe da guarda, que dividia seu tempo sendo assistente de Jorge, e em seu treinamento militar. Ele era outra anomalia, já que filhos de militares, mesmo de alta patente, não eram comuns como assistentes pessoais da realeza. Mas ele era amigo do príncipe desde pequeno, e esse também insistiu para que entrasse para seu grupo de confiança.

Ainda relembrando a história que Denise lhe contou, somado ao que pesquisou sobre ela, a mente do avô de Jorge só voltou ao presente quando uma pergunta de Juliet aos sábios chamou sua atenção.

— Por que o povo foi proibido de comentar sobre o Lich? Não achei quase nada sobre ele na biblioteca também.

— Os livros sobre ele estão na área bloqueada aos sábios. Nosso antigo Rei não gostava que as pessoas colocassem suas esperanças ,ou desejos, em um ser que nem podemos provar que realmente existe, por isso baniu os livros, e proibiu o povo de falar sobre ele. Foi ele também que proibiu qualquer tentativa de espalhar cultos religiosos no Norte. Atualmente, fora Desolace e a Zona dos Excluídos, somos o único país do continente sem um Deus. — disse o chefe dos sábios, já que era o único com boa vontade quanto a Juliet. O resto dos sábios costumava a ignorar, para o descontentamento do príncipe.

— Religião não dá esperança às pessoas? — Insistiu a garota.

— Sim, e pode ser usada para controlar o povo, o que a torna ainda mais útil… — Ao notar que foi honesto até demais, ele completou —  Mas cria vários problemas e conflitos desnecessários também, conforme seus adeptos ficam mais fervorosos, e começam a haver disputas pelo Deus verdadeiro entre diversos cultos.

— Mas o Lich devia ser considerado o herói do Norte, assim como Lancaster no Sul. Banir informações sobre ele não faz sentido, ele devia servir para aumentar a moral do exército e do povo.

— Poderia parar de usar esse nome, Juliet? Já teria sido presa se estivesse andando na rua… — disse o garoto negro, Maufuris, a seu lado. Jorge conteve um riso nesse momento, estava se divertindo com a discussão, ou mais precisamente, com a cara de pau de Juliet, abordando um assunto que a maioria evitava.

— Desculpe… Mas acho isso meio radical — insistiu ela.

No momento, metade da mesa de sábios estava olhando para ela com nervosismo. Marzet então, tentou terminar com o assunto.

— Talvez seja um tanto quanto exagerado, mas foi a decisão do antigo Rei, e o atual não a mudou. A não ser que o próximo Rei o faça, dizer esse nome continua sendo um tabu, e cultos de adoração a deuses continuam proibidos. Fim do assunto.

O avô de Jorge deu uma risada, não esperava alguém descontente com o banimento do Lich. A maioria das pessoas mais temiam do que adoravam ele, afinal, um morto-vivo que era usado em histórias infantis para assustar crianças, não era um bom exemplo de herói para um país. Enquanto pensava nisso, notou seu servo pessoal, Madrid, parado a seu lado e fazendo sinal para os dois saírem de lá.

— O que foi? — perguntou o velho.

Madrid segurava uma carta aberta na mão direita, e tinha um ar de preocupação. Ao notar isso, os dois saíram rapidamente de lá e foram para os aposentos privados do homem.

— E então, boas notícias?

— É o informante, senhor…  Eles falharam, o grupo deve chegar a Sunkeep em 7 a 10 dias.

A mão do homem fechou com toda força, enquanto ele segurava o braço da cadeira em que estava sentado. A pressão foi tanta que a madeira explodiu em vários pedaços.

— Como isso é possível?!

— Não tem detalhes, ele só disse que parece ter havido intervenção de outros SS, ou talvez um Ômega, ele não conseguiu confirmar. Mas pela descrição, Amira e Lux estavam lá.

O velho arregalou os olhos, e depois ficou pensativo por um tempo. Ele então murmurou:

— É assim que quer jogar, Lancaster…? Muito bem então… — Ele olhou para Madrid — Prepare ela para o sacrifício, é o meio mais rápido de eu conseguir poder o bastante para invadir Sunkeep.

— Mas e o Lancaster?

— Ele não pode sair do Sul enquanto a maldição estiver ativa. Sunkeep era originalmente território nosso, então está fora dos limites dele.

— A maldição funciona com as mulheres dele também?

— Se ele não vier, Lux, Amira e aquela outra abominação não vão interferir. Confie em mim, conheço aquele homem e as pragas grudadas nele há mais de mil anos, sei exatamente como pensam.

— Muito bem… Mais uma coisa, a anomalia, Arian, está praticamente confirmada como descendente daquela mulher, mas parece que perdeu as memórias disso. A descrição dele na batalha bate com quase tudo que o senhor falou para o informante, embora não na mesma escala.

Ao ouvir isso o velho perdeu seu ar de preocupação e deu um leve sorriso.

— Excelente… Partimos o mais rápido possível.

— Vou reunir o exército.

— Não, deixe eles protegendo o castelo, vamos pegar só alguns homens quando chegarmos perto da fronteira. Tente convocar alguns S e SS em vez disso. Se os que falharam continuam vivos, mande águias avisando que a minha proposta ainda está de pé. Avise a todos os aliados do Sul também, quero que atrasem o grupo de chegar a Sunkeep, custe o que custar.

— Acordar aquela mulher vai levar uns 3 dias, deve ser tempo o bastante para reunir um grupo, mas e o outro assunto?

— Vou resolver isso também, não posso arriscar que a palhaçada de hoje se repita. Pensando agora, por mais que seja assustadoramente inteligente, ela definitivamente continua uma mulher sem muita sorte na vida.

— Seu neto não vai gostar…

— Não tenho escolha, ela já foi longe demais.

Após dizer isso, o velho se levantou, e arrastou uma prateleira de livros de seu quarto, que revelou uma porta cheia de inscrições. Ele abriu a porta com uma chave tirada de seu bolso e entrou no aposento. Era um quarto de pedra gigantesco, mas praticamente vazio. Haviam três janelas enormes deixando o vento frio entrar. Elas ficavam no topo da parte de trás do castelo, que dava para a enorme montanha à beira da qual o castelo foi construído. Uma pessoa normal congelaria ali em pouco tempo, mas isso não parecia incomodar o avô do príncipe. Ao centro, havia um caixão negro extremamente bem acabado. E ao fundo, uma cruz negra, com uma mulher presa nela. Seus cabelos dourados desciam até um pouco abaixo da cintura, e seu corpo estava coberto por um vestido branco simples, e bastante desgastado. A pele parecia sem vida, e seus olhos estavam fechados, quem olhasse pensaria que era uma pessoa morta há algum tempo, e com o corpo conservado pelo frio. Seus braços e pernas estavam presos por estacas, feitas de um metal azulado.

— Lamento pelo seu tratamento, mas é a única forma de te manter viva e parada — disse o homem, observando o estado da mulher. — Não sei se pode mais me ouvir, mas estou apenas fazendo o que posso para sobreviver, matando o mínimo de pessoas do meu próprio povo. Não aprecio essa situação. — Ele não teve resposta, a mulher não mexia um músculo, ou sequer parecia estar respirando. — Bem, mesmo que quisesse falar, no seu estado atual, acho que isso não é mais possível. Mas antes que dê seu último suspiro, vou te dar um presente. Acho que vai ficar feliz em saber que encontrei seu filho. — Ao notar um dos dedos da mulher mexendo levemente, e os lábios dela se esforçando para abrir sem sucesso, ele fez uma pausa, e depois completou, com um sorriso levemente sádico —  Espero fortemente que o sangue dele consiga fazer o que o seu faz por mim.

A mulher não abriu os olhos, mas lágrimas correram levemente pelo seu rosto, antes de congelarem, enquanto a nevasca lá fora aumentava, e a noite caía.

Próximo: Capítulo 2 – A cidade proibida para mulheres de cabelo curto

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