As Crônicas de Arian – Capítulo 30 – Você não é o herói dessa história

Anterior: Capítulo 29 – Sacrifícios

Índice para todos os capítulos: aqui

MAPA LOCAL

Capítulo 30 – Você não é o herói dessa história

Arian desviou do ataque dos seres encobertos por fumaça que foram para cima dele, e depois recuou alguns metros para trás.

“Ele é especialista em maldições, não deixe essas coisas encostarem em você!”

“Eu percebi!”

Todos os mercenários de Malak estavam no chão, assim como os prisioneiros.

— Vai sacrificar seus próprios homens? 

— Infelizmente, só os prisioneiros não seriam o bastante para essa invocação… Como eu disse, somos parecidos. A diferença é que eu admito o que sou. Todos ganham a tatuagem de sacrifício antes de entrar para o grupo, eu nunca menti para eles sobre isso, nem que usaria em casos de emergência. Mas se eu matar você rápido, a maioria deve sobreviver.

As sombras que Malak invocou com magia tinham tomado mais forma, eram humanoides cobertos por um manto preto, bastante desgastado, usando espadas longas, com lâminas escuras e enferrujadas. Não tinham rosto ou pele dentro do capuz, o que dava a impressão de serem formados por uma densa fumaça negra.

“Emirages… Isso explica o uso de tantas pessoas. Eles variam de poder de acordo com a quantidade de energia e habilidade do invocador. Troque de espada, se me lembro bem…”

Os dois espectros invocados vieram em sua direção. Arian desviou dos golpes e tentou acertar um deles, mas foi em vão, a espada de prata e a normal passavam através dele, era como tentar acertar um fantasma. Arian então pulou para trás, trocou para sua espada bastarda, e avançou novamente contra os adversários. Emirages eram relativamente lentos, o perigo real eram as diversas maldições contidas em suas espadas. Arian conseguiu cortar a cabeça do primeiro, desviou do golpe do segundo, que veio por trás, e o cortou ao meio logo depois. Ao menos sua espada espiritual funcionava contra eles. Mas foi em vão.

Eles viraram uma fumaça negra e se refizeram rapidamente. O segundo maior problema dos Emirages, suas almas estavam conectadas ao invocador. Enquanto ele estivesse vivo, eles eram imortais.

A alguma distância deles, outro ser, que também parecia um espectro, observava a luta. O cavaleiro da morte estava parado, olhando para Arian. Malak parecia incomodado com ele. Era um fator não previsto em seu plano.

“Ignore, quer aquele maluco nos ataque ou decida ajudar, pensar nisso não vai melhorar nossa situação. Tente se desvencilhar deles e atacar Malak. Se matar ele, os Emirages morrem.”

O guardião pressionou o chão com força e avançou contra Malak, mas antes de chegar nele, o chão explodiu em sua frente, com a abertura de novos portais, e dois novos espectros saltaram em cima de Arian.

— Nunca fui bom com magia, e minha ligação com o plano escuro é muito pequena, então preciso usar a energia de corpos físicos para criar esses seres. Gostaria de invocar um classe SS, mas esses quatro Emirages classe A é o máximo que consigo com todas as pessoas desse local. Cuidado para eles não te acertarem, ou vai ser o último ferimento que vai ganhar.

Todos à volta de Arian gritavam e se contorciam no chão. Suas energias espirituais estavam sendo drenadas à força para manter as invocações de Malak. Ele também havia colocado uma tatuagem em todos os prisioneiros para marcação do sacrifício. Era algo comum para contrabandistas de escravos, para os manter submissos.  

— Agora, o toque final. E isso sim, é minha especialidade.

Os olhos de Malak ficaram prateados, e a tatuagem em seu corpo se expandiu, deixando sua pele completamente negra. Claramente não era um humano, e estava assumindo sua verdadeira forma. 

“Não faço a mínima ideia do que é isso… Mas lembra um…”

“Ironskin… Mas eles não tem olhos prateados, e não podem usar magia.”

— Fique à vontade para correr ou tentar ganhar tempo. Mas quando essas criaturas desaparecem significa que a energia acabou, e todos os prisioneiros vão estar mortos. Sabe o que acontece quando a energia espiritual deles acaba? O ritual usa sua carne, sangue e ossos, e os converte em energia… E claro, Ane também não tem muito tempo. Já deve ter ouvido falar em como funciona a maldição que coloquei nela.

Depois de falar isso, Malak tirou sua espada da cintura, e lançou um feixe de ar com ela, era uma linha tão fina que Arian quase ignorou, mas instintivamente desviou para o lado. Agradeceu ao seu instinto logo depois, já que o feixe de ar abriu uma fissura fina no chão que cortou tudo à sua frente por vários metros, incluindo alguns mercenários. Ao mesmo tempo, os quatro espectros à volta de Arian avançaram contra ele.

Ele desviou e bloqueou, mas estava em completa desvantagem, e tendo que desviar da magia de Malak a todo momento, não conseguia sair da defensiva. Em determinado ponto, tentou bloquear a espada de dois espectros, mas não aguentou a força do golpe e caiu para trás. Sua espada bastarda voou alguns metros. Rolou para desviar dos golpes e tentou ficar de pé rapidamente, mas quando o fez, a espada de um dos espectros estava vindo na direção de seu pescoço, e não tinha mais tempo para bloquear.

Inesperadamente, o espectro foi cortado ao meio, por outro vulto negro, que surgiu na frente de Arian.

— Eu cuido dos espectros… Mate o invocador… — disse o ser em um manto negro à sua frente, vulgarmente conhecido como Cavaleiro da morte, com uma voz fantasmagórica. Arian estava confuso olhando para aquele ser, mas o grito de Ane o despertou. Não tinha tempo, e esse aliado estranho era sua única chance.

Arian ignorou os Emirages vindo em sua direção e foi para cima de Malak, com as duas espadas médias que carregava nas costas. Malak bloqueou a investida com sua espada. Arian desviou do golpe seguinte e rapidamente cruzou suas duas espadas no pescoço do inimigo. Mas não aconteceu o que ele esperava.

Malak riu quando as espadas de Arian quebraram. Seja o que for que a pele dele tenha se tornado, era completamente imune ao metal comum, e ainda o fazia quebrar com facilidade.

“Que droga! É mesmo uma espécie diferente de Ironskin. Provavelmente um híbrido, misturado com outra raça.”

Arian pulou para trás e tentou desviar do contra-ataque de Malak. Precisava de sua espada bastarda, talvez ela conseguisse passar pela pele do demônio.

A localizou no campo e foi correndo até ela, enquanto desviada da magia de Malak, que também devia fazer uso da energia espiritual das pessoas a sua volta. A cada feixe de ar, gritos desesperados saíam da multidão de pessoas agonizando no chão.  

Arian chegou até a espada, e desviou de outro feixe de ar logo depois.

— Cuidado! — O grito veio do cavaleiro negro, a alguns metros dele.

Arian se virou e viu um dos espectros vindo em sua direção. Conseguiu desviar a tempo de não perder a cabeça, mas logo depois Malak mandou outro feixe fino de ar. Arian pulou para desviar, mas sua perna foi pega. A armadura o salvou, mas tinha rachado, não aguentaria segurar algo assim de novo. O espectro havia sido aniquilado pela magia de Malak, mas já estava se refazendo.

Foi quando Arian sentiu uma forte fisgada no pescoço. O espectro tinha conseguido fazer um corte nele. O ferimento, totalmente preto, começou a cobrir toda sua pele, se espalhando rapidamente. Arian foi ao chão e começou a gritar de dor.

— Eu disse para tomar cuidado com as espadas deles…  — disse o mercenário, se aproximando e agachando na frente de Arian, enquanto observava o inimigo se contorcendo em dor. O corpo de Arian, gradualmente, estava sendo tomado pela maldição.

— Adeus guardião, parece que sua história, acaba aqui…

Foi quando Malak notou algo estranho. De repente, a maldição parou de se espalhar pelo corpo de Arian, e estava regredindo, com seu corpo voltando à cor normal. A cor de seus olhos tinha mudado levemente para vermelho. Malak tentou se afastar, mas antes que conseguisse, Arian se levantou e agarrou seu braço, o puxou em sua direção, e acertou um soco que fez Malak voar a uma velocidade absurda para trás, até bater em uma enorme rocha, que quebrou com o choque, fazendo um barulho ensurdecedor.

O mercenário ficou sem ar, mesmo com o corpo sendo praticamente imune à espadas, aquele golpe foi como ser acertado por uma bigorna, ou uma pedra gigantesca. Tinha algo errado. Ele estudou Arian por anos, e normalmente, parecia ter de três a quatro vezes a força de uma pessoa normal, mas aquele soco foi infinitamente acima disso, e aquela mudança na cor dos olhos… ele era um demônio também?

Arian se levantou, respirando de forma ofegante. A cor de seus olhos tinha voltado ao normal.

— Infelizmente para você, seja lá qual for minha raça, ela parece ser imune à maldições.

A mancha negra no corpo de Arian regrediu, até sobrar apenas o ferimento feito pelo espectro, agora, não mais negro, apenas um corte normal, que desapareceu rapidamente. O padrão era sempre o mesmo: toda vez que seu corpo reagia a uma maldição, sua habilidade de regeneração e força aumentava absurdamente, por um curto período de tempo.

“Bom blefe… Desde que ele não saiba que nossa energia espiritual desce tanto depois disso, que quase entramos no nosso pagamento, vai ficar receoso de investir em maldições. Mas pare de se distrair com os gemidos da Ane, ou vai acabar morto!”

O cavaleiro negro estava a uma certa distância lutando contra os quatro espectros. Ele destruía um deles a todo momento, mas voltavam quase que instantaneamente. Se fosse humano era um classe A+ ou S, para estar aguentando aquilo.

Arian estava cansado, e seja lá como seu corpo combatia maldições, se sentia esgotado logo depois que ocorria. Mais um pouco e iria entrar em seu pagamento.

“Não temos mais tempo! Ou você arrisca tudo agora ou Ane irá morrer.”

Ele estava certo. Arian forçou seus pés contra o chão e correu na direção de Malak, que com um movimento de sua espada, lançou novamente uma lâmina de ar contra o adversário. 

“Por favor, aguentem!”

Arian cruzou seus braceletes na frente do corpo. Um estrondo forte o atingiu, e o bracelete rachou, além de seu braço ter começado a sangrar, provavelmente, cortado. Ainda assim, estava vivo.

Com o inimigo próximo, Malak desistiu da estratégia a longa distância e veio correndo em sua direção com a espada. Arian desviou e deu um giro, mirando sua espada no pescoço de Malak. Diferente da última vez, tinha conseguido penetrar sua pele, a espada bastarda funcionava. Mas o demônio colocou o braço na frente, não permitindo que a espada chegasse ao seu pescoço. Malak rapidamente pulou para trás. E mesmo ferido, riu ao ver o estado de Arian, que parecia quase esgotado, lutando para se manter de pé, e com os braços pingando sangue.

— Parece que talvez consiga me matar… mas vai salvar a garota a tempo?

Arian escutou um berro de Ane, logo depois de Malak usar algumas palavras em uma língua estranha. Estava sufocando, com seu corpo todo coberto pelas tatuagens de Malak.

— Sacrificou todos os seus homens e sua vida, e pra quê? Vai acabar morrendo aqui, sem realizar nada do que queria! Deixe-a e eu vou embora, só pare a maldição!

— Engraçado, não? Quase não me importava com Haluna, era só uma garota que me serviu desde criança, até que ficou mais velha e pediu para eu deixá-la ir com a filha que teve comigo. “Não é um bom lugar para criar a garota”, ela dizia. Até hoje não sei porque a deixei ir. Nunca achei que me importava. Ainda assim, aqui estou eu, sacrificando tudo que consegui na vida pela chance de matar o desgraçado que tirou a vida dela.

Malak avançou para cima de Arian, que fez o mesmo. O guardião desviou da arma do adversário, e cortou o braço já machucado de Malak, que segurava a espada. O demônio gritou de dor e tentou acertar um soco com o outro braço. Arian desviou, e o cortou em seguida. Ao invés de parar o movimento, ele girou e cravou sua espada no meio do peito de Malak.

— Arg…

Malak estava tentando falar, enquanto cuspia sangue.

— É… Você é forte… Mas… Parece que não forte o bastante para salvar essa pobre… garota, que vai ver morrer aqui, enquanto você assiste, sem poder fazer nada…

O mercenário deu uma longa risada, enquanto Arian respirava ofegante, juntando o que lhe restava de fôlego para o próximo golpe.

— No fim das contas, Arian, você não é o herói dessa história… É só mais um homem cheio de sangue nas mãos, e terá mais lamentos do que vai conseguir contar antes de sua morte. Você não pode mais salvá-la… Não existe um final feliz para você, e um dia, vai acabar exatamente como eu… — disse Malak, com um sorriso de satisfação no rosto, já preparado para o que viria a seguir.

Arian gritou e a cabeça do homem foi separada do corpo com um corte seco de sua espada. Ele então foi rapidamente ver Ane, que ainda estava sufocando, enquanto as marcas em preto já cobriam todo seu corpo. Arian não entendia o que estava havendo, a maldição devia sumir quando quem a conjurou morresse. Ele tentou fazê-la respirar pressionando seu peito, mas não surtia efeito. Depois de um tempo, a garota parou de se mexer. Arian não podia fazer nada, só assistir, enquanto ela morria na sua frente. Ele ganhou a luta, mas perdeu a batalha.

Os poucos homens de Malak que sobreviveram, estavam se levantando com dificuldade, e caminhando até Arian, lentamente. Mas ele não notou, estava cansado e desesperado demais para isso.

A noite estava silenciosa, iluminada pela lua, e a única coisa que se podia ouvir, era o grito de lamento e desespero de um homem de capa verde, com uma garota nos braços. As últimas palavras de um demônio morto, ecoavam em sua mente, e doíam mais do que qualquer coisa que já tinha sentido antes.

Próximo: Capítulo 31 – Aquela que pode mudar o destino

Ao terminar dê um feedback breve do que achou do capítulo, isso ajuda o autor.