Impressões semanais: Hamatora 8, 9 e 10

-Vejam, tem um cara de cabelo branco deitado em uma cama. Será?

Episódio 8


-Sigh…vamos lá, né, pessoal?

Animação típica de Hamatora
-Um cara desanimado com a vida que desistiu de tudo o que fez decide entrar no site do Dr. Moral e ganha um poder de cultivar ervas de maconha mágicas que te fazem dormir e ter bons sonhos para o resto da vida. Com isso ele acaba vendendo um suco dessas ervas, as pessoas começam a entrar em coma permanente e Hamatora são chamados para resolver a situação. Esse episódio aborda alguns sintomas da depressão como a sensação de querer desistir de tudo o tempo todo, complexo de inferioridade, e um pouco de recalque.

-A forma como faz isso, entretanto, é desaconselhável e aleatória. A sensação que eu tenho enquanto assisto é de que a cada episódio eles repetem a fórmula tradicional do anime de associar as vítimas com os investigadores e quanto mais o fazem, mais perdem o jeito de fazê-lo. A mensagem está lá, mas não tem força alguma. As cenas não mais constroem uma catarse linear, elas são simplesmente jogadas na sua cara e forçadas como um comprimido sem água goela abaixo. Vou dar 3 exemplos. O primeiro foi a cena em que eles descobrem o lugar em que a droga é vendida. Por incrível coincidência, eles acabam pegando o distribuidor que por incrível coincidência estava exatamente na sala ao lado do que parece ser um internet café. O segundo é o vilão acordando enquanto o Nice e o Murasaki tem uma luta de espadas com pepinos (aquela luta pareceu ter sido feita em flash em alguns momentos, além do character design fora do modelo, havia um efeito de blur em torno dos personagens), como se aquilo tivesse um enorme significado para quem está assistindo e fosse pra ser um momento significativo de redenção do personagem. O terceiro foi o sequestro totalmente desnecessário e que se resolveu em 15 segundos com o único intuito de criar um vilão em que o Nice pudesse bater. Eles tentaram introduzir o drama de um cara que estava dormindo o episódio todo confiando totalmente em diálogos didáticos de outros personagens ao mesmo tempo que uma corrida nonsense com pepinos ocorria. É claro que não ia dar certo.

-Outro fator que me incomodou bastante foi a óbvia intenção por parte da produção de criar cenas meramente para ganhar tempo, quase fillers da vida. Aquela gangue de praia e toda a competição foram uma desculpa infeliz de querer forçar um cenário cômico que ignorou a lógica (vide o fanservice de querer colocar todas as outras duplas lá competindo entre si sem motivo de eles estarem ali) para tentar amarrar uma ponta solta (e agora, como nós vamos fazer o cara acordar?) e inventar um trauma de última hora para o Murasaki de maneira praticamente artificial. O que faltou aqui foi o fator orgânico na trama, a verossimilhança. A construção foi tal miríade de conveniências e soluções fáceis abusando das cenas corridas que não tenho receio de dizer que esse foi o pior episódio de Hamatora.

PS: Cometi um engano da última vez. Esse assistente do Art existe de verdade e não é só um disfarce do Moral.

Nota: 27/100

Episódio 9

-A direção desse episódio foi um pouquinho mais eficaz que a do episódio 8, porém ainda assim abusando de frames simples e animação barata. O resultado ficou modesto, com a história do Three sendo contada de maneira fria e direta, servindo mais como uma pequena curiosidade sobre o passado dele do que como uma história de vida inspiradora e de redenção. Até certo ponto foi funcional, digamos, mas depois começou a abusar um pouco do bom senso. Sério, criar crianças em um orfanato para que elas te matem no futuro? Se a intenção era comover, a ambientação daquele flashback não teria dado conta de modo algum, pois foi algo bem superficial no estilo “Oh, veja, ele é grandão e é bonzinho com as crianças, mas falhou em salvar algumas delas e agora está pagando por isso”. Sinto como se eles estivessem pagando escritores amadores pra escrever esses episódios não relacionados ao plot central. A execução está carecendo de efeito dramático e/ou reflexivo e se torna algo do tipo “tanto faz ou tanto fez”. Saudades de quando eles exploravam aquele tema do Nice e da dualidade vítima/agressor.

-E como não poderia faltar em qualquer episódio de Hamatora que se preze, tem-se a inserção de um vilão cujos motivos são tão mal-desenvolvidos que parecem ter sido retirados de uma lista de clichês típicos de anime no sorteio. Puta que pariu, matar as crianças para que o cara que você idealizava continue sendo a figura idealizada da sua imaginação na memória do povão? E não podia faltar o jeito caricato de parecer um doido psicótico de todos os vilões até agora, pois são a vela do bolo. Dá pra fazer melhor que isso, Hamatora, dá mesmo.

Nota: 43/100

Episódio 10

-Como todos sabem, o anime está se aproximando do seu finale em 2 episódios, e esse é o momento perfeito para retomar o foco principal no Moral e seu plano. Dessa vez, a direção não decepcionou.

Tudo pela meia entrada no cinema
-Já que estamos falando de Moral, vamos revisar um pouco a estratégia dele. Despontou em Yokohama (e talvez em outros países e lugares) uma revolução que se resume no velho conflito entre os “haves” e os “not haves” presente em toda a história da humanidade (Revolução Francesa, Revolução Russa, Revolução Cubana, só diga o nome que provavelmente se encaixará aqui). Os “not haves”, impulsionados por um sentimento de recalque generalizado, desatam a difamar os “haves” por meio da imprensa, particularmente a televisão e a internet, como se pode ver nos fóruns, redes sociais e organizações governamentais. Consequentemente, a classe social dos “haves” acaba por se sentir no papel de vítima/oprimido e assim acaba desencadeando uma guerra civil com os poderes adquiridos. Eu não leio X-men (via o desenho na televisão), mas seria interessante que uma guerra civil desse porte já houvesse ocorrido nos quadrinhos ao invés de casos isolados aqui e ali com um ou dois vilões enfrentando os mocinhos, visto que é uma perspectiva mais realista. 

-A consequência é uma faux revolution (revolução falsa) na qual os “haves” lutam pelos seus direitos, quando majoritariamente estudando os casos históricos é justamente o contrário que ocorre, com uma classe prejudicada em âmbito social e econômico ascendendo ao poder. Aqui Hamatora mais uma vez nos mostra como a noção de agressor e vítima é maleável de acordo com o contexto. Minimum holders podem ser vítimas por estarem sendo reprovados publicamente, mas também agressores ao atacar inocentes no meio da rua ao mesmo tempo que pessoas comuns sem poderes fazem o mesmo. A questão evoluiu das ideologias de “ismos” atuais de querer encontrar um culpado para essa e aquela atitude socialmente condenável e defender as proclamadas vítimas para um estado de calamidade pública. 

Porque é necessário que em algum ponto da trajetória o vilão finja ser um maestro
-O extremismo dos métodos de Moral se justifica pela certidão aparente no desfecho dessa confusão. Ele está convencido de que os minimum holders vão ganhar essa guerra graças a seus superpoderes que desafiam a razão humana, então por que não colocar lenha na fogueira e intensificar as tensões existentes para que esse processo ocorra naturalmente da forma mais rápida possível? Pessoas vão morrer, mas isso é apenas mais um acontecimento cabal que é pré-requisito em uma revolução de verdade, quando há realmente a intenção e o pragmatismo de querer mudar a situação. Sem derramamento de sangue não há revolução, afinal (existem exceções, mas não vou entrar em detalhes).

-Nice, pelo contrário, não acredita em resoluções pela violência, a despeito de sua semelhança ideológica com Moral. Ele critica o próprio conceito freudiano de recalque (sobre o qual infelizmente não posso discorrer com propriedade por não ter começado a ler Freud ainda), perguntando em rede nacional o porquê de as pessoas sentirem inveja umas das outras e não conseguirem simplesmente aceitar suas diferenças de capacidade, dons e personalidade. Essencialmente é isso que o homem moderno e racional quer: aperfeiçoar, tornar-se melhor que o outro, ter mais do que o outro, mesmo que não haja real necessidade para tal. Nice é um idealista ao passo que Moral é um pragmático, e assim os dois se completam em seus opostos.
Nota: 80/100