As Crônicas de Arian – Capítulo 8 – O guardião, a fantasma e o cavaleiro negro

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Capítulo 8 – O guardião, a fantasma e o cavaleiro negro

Arian estava saindo do pequeno vilarejo onde passou 2 meses como guardião, enquanto admirava a vista e aproveitava a sensação agradável do vento fresco em seu rosto. O Sul era muito bonito no geral. Todas as estradas de terra eram cercadas por florestas ou campos verdes, e nesta área não era diferente. 

Quando estava perto do fim da pequena estrada que levava ao vilarejo, viu dois homens, com vestimentas simples, recolhendo uma montanha de fezes de cavalo, que estava na beira da estrada, e jogando em uma carroça, na beira do local.

— O que pensam que estão fazendo? — reclamou o guardião, falando com os homens.

— Tirando isso daqui, ué… Fede muito, e está espantando visitas. Algum idiota está espalhando essa porcaria por todo canto. Deve ser o pessoal do vilarejo de Lupica, sempre nos odiaram, por nossa vila ser mais popular — disse um dos homens.

Arian olhou feio para os dois.

— É isso que tem impedido os goblins de atacar esse vilarejo, eu coloquei aí de propósito! Não mexam nisso, e quando ficar velho e perder o odor, coloquem mais. Aquelas criaturas nojentas odeiam o cheiro de fezes de cavalo.

— Mas…

— Preferem ter menos visitas a seu vilarejo ou serem atacados por goblins com mais frequência? 

Sem argumentos, os dois desistiram e voltaram ao vilarejo, meio emburrados, enquanto Arian continuou seu caminho.

Aquele trabalho virou quase um vício para ele, uma forma de esquecer o passado. Alguns se viciavam em bebida, ele em ajudar meio-elfas, ou pessoas que o lembrassem dela… lhe trazia uma momentânea e grata felicidade.

No entanto, não podia simplesmente ir pegando todas que via e mandando para Distany. Hoje em dia a entrada era bem mais rígida, de forma a não terem problemas com excesso populacional na cidade e pessoas de mau caráter.

Ele e mais alguns foram enviados para coletar dados de meio-elfos em todo continente Sul, e se os acharem merecedores, os escoltavam até Distany, ou mandavam a pessoa para lá com uma escolta. O merecimento era, basicamente, julgado por sua personalidade, já que só queriam pessoas boas naquela cidade. Entender o psicológico e pormenores da vida de cada um deles levava tempo, daí seu disfarce como guardião em pequenas cidades, para lhe dar tempo de aprender mais sobre o alvo.

Para sua sorte, nem precisaria escoltar a garota até a cidade, achou alguém perfeitamente capaz disso. Outra coisa que estava pesquisando há tempos: Robert, o segurança do bar. Ele parecia gostar de Sara, não sabia se como irmã ou mulher, mas sempre a tratava com respeito e sorria inconscientemente ao vê-la fazer algo desajeitado. E Sara também parecia mais consciente dele do que dos outros homens à sua volta. Mas, só isso não era o bastante, precisava de uma prova mais forte da lealdade dele. Que prova poderia ser melhor do que ele quase morrendo para tentar salvá-la? Não tinha mais dúvidas que encontrara a pessoa certa para a escolta.

Um humano normal poderia ir sozinho. Mas meio-elfos? Era quase certo que acabaria sequestrada por bandidos e escravizada. Já com um homem enorme a seu lado, e usando as rotas mais seguras durante a viagem, a possibilidade de terem problemas era bem menor. 

Enquanto pensava nisso, relembrou a conversa com Robert aquela manhã:

— Como… nos… encontrou? — perguntou Robert lentamente, deitado em uma cama encostada na parede. Estava com dificuldade para falar. Nada mais natural depois de ter vários ossos do rosto fraturados.

— Jeff me guiou — respondeu Arian, observando o pequeno quarto que só tinha uma cama e uma cabeceira de madeira.

—Jeff estava… morto… antes que eu… conseguisse fazer algo — disse com um olhar triste.

— Sim, mas não foi com seu corpo que falei… — Robert olhou perplexo para o rosto sério de Arian, que continuou. — Como quase todo mundo que me conhece, deve estar muito curioso para saber por que fico falando sozinho, eu imagino. 

Robert continuou olhando atentamente para ele.

— Bom, eu não estou falando sozinho, estou falando com fantasmas, mais precisamente uma que não sai do meu lado há anos — Robert estava completamente incrédulo nessa parte. — Bem, cabe a você acreditar ou não. Mas Jeff, depois de morto, estava desesperado para proteger sua filha adotada. O fantasma dele apareceu na minha cabana pedindo ajuda. Sem isso, nunca teria conseguido chegar a tempo de fazer algo.

— Ele… ainda… está aqui? — Robert começou a olhar para os lados, meio apreensivo.

— Não parece estar mais neste mundo. Acho que o único desejo que tinha era que a filha fosse salva, por isso o espírito dele ficou por aqui. Realizado seu desejo, não tinha mais motivos para ficar. — O homem parecia confuso, então Arian acrescentou: — Não precisa acreditar em mim, o mais importante é que escute o que vou dizer agora. Sara e você…

Nesse momento, sua mente voltou ao presente, ao escutar uma voz conhecida.

— Está atrasado, salvador dos elfos fracos e oprimidos — falou um homem de aproximadamente 2,20 metros de altura, em uma armadura negra desgastada, cobrindo todo o corpo. Ele tirou o elmo da armadura. Era negro e careca. Estava em cima de um cavalo cinzento, aparentemente infeliz com o peso de seu cavaleiro.

Arian sorriu ao ver o amigo, Marko, esperando na encruzilhada da pequena estrada que levava ao vilarejo em que estava. Agora se encontrava na estrada principal do reino, que era bem maior, devido à quantidade de pessoas usando-a diariamente para se locomover pelo Sul. À volta deles, apenas campos verdes e muitas árvores da floresta de Ark. 

— O que foi? Falhou nessa? — perguntou o homem, ao notar seu semblante desanimado.

— Não, mas podia ter sido melhor se não tivesse calculado uma coisa errada — disse suspirando.

— Como assim? A garota estava viva, quando passei lá de manhã para combinarmos a saída.

— Queria que o pai dela e ela fossem para a cidade, era um bom homem.

— Já te disseram que você é muito ganancioso?

— Não, na verdade, você sempre reclama do contrário… — Arian riu. — Mas como foi com a sua candidata?

— Não dei sorte, ela se deitava com qualquer um que pagasse bem, e roubava uns extras antes de ir embora de manhã…

— Imagino que testou para saber desses detalhes…

— Tudo em nome da missão! — falou ele, levantando ao ar uma garrafa de vinho que estava em sua mão direita, revelando a leve embriaguez.

— Sei… Ai!…. <E> parece feliz em te ver — A garota de vestido branco, cabelos prateados e olhos vermelhos estava pulando nas costas do cavalo, apoiada nos ombros de Arian.

— Oi, <E>… E falando nisso, andei pensando uma coisa nos últimos dias. Já que ela está sempre grudada em você, me diga, ela fica olhando quando você… Deve ser desconfortável sempre ter alguém olhando.

Arian ficou encarando Marko com os olhos semifechados e uma expressão meio irônica.

— Acho que vou deixar isso para sua imaginação… ela parece ficar trabalhando com ideias muito profundas quando você está entediado.

— Vai se arrepender disso quando eu espalhar histórias de um pervertido com uma miniatura de fantasma — disse Marko com um sorriso desafiador.

— Não vai ser pior do que quando você convenceu a <E> que eu tinha dormido com todas aquelas mulheres do acampamento militar da fronteira, e ela ficou me chutando por 1 semana.

— Ah! Aquilo foi divertido, nunca pensei que poderia enganar um fantasma — disse enquanto ria. — Ela cresceu desde então?

— Não, continua com a mesma aparência de sempre; de uns 10 anos de idade. Só as roupas que mudam, nunca entendi como isso funciona — Arian olhou para <E>, intrigado. Suas roupas poderiam mudar para qualquer coisa que ela visse, embora geralmente usa-se um vestido branco simples ou copiasse parte das roupas de Arian, o homem que estava assombrando há 5 anos.

— Mudando de assunto. Já ouviu falar em um tal cavaleiro negro que anda matando mercenários por esta área? Comecei a receber o crédito por tudo que ele fazia no último mês. Não precisava fazer nada, nenhum mercenário tentou pilhar a vila em que estava no último mês, e os moradores ficavam me olhando com tanta admiração, que comecei a me sentir mal. Não queriam me deixar pagar por nada! Quer dizer, essa parte foi boa, mas todo dia um bando de gente das vilas próximas vindo me cumprimentar, não.

— Eu ouvi falar — disse Arian desinteressado.

— Ouviu falar, ou era você? É a sua cara fazer uma coisa dessas…

— Só me interesso por meio-elfas, lembra? Não estou nem aí para humanos.

— Sei… Continue dizendo isso até você mesmo conseguir acreditar… Bem, aonde vamos seu elfo maníaco? Não me chamou para ajudar mais elfos, espero… segundo o contrato tenho direito a 1 mês de férias depois de cada alvo testado.

— Não. Te chamei para um torneio, com um ótimo prêmio. — Ele não mentiu, mas deixou faltar um detalhe importante que geraria resmungos depois.

<E> adorava torneios, estava sentada na sua frente agora, tentando fazer o cavalo andar mais rápido, mexendo os braços para frente e para trás repetidamente, sem muito sucesso. Não conseguia falar, só gesticular, e afetar objetos do mundo material era impossível também, tirando Arian.

— Agora está falando minha língua. Estou seco por um desafio. Qual cidade? — perguntou o gigante, parecendo bastante animado.

— Arcadia.

— A bebida de lá é péssima, mas pelo menos os bordéis são ótimos. 

— Quer mesmo lutar embriagado e cansado?

— Eu luto melhor bêbado, e mulheres não me cansam, me dão forças!

— Isso não faz sentido…

— Diga isso quando eu ganhar o torneio e você estiver debaixo dos pés do bêbado. — Marko saiu gargalhando, montado em seu cavalo.

Arian sorriu e acelerou também. Sentia falta do bom humor daquele idiota. E de bônus, as chances de serem atacados no caminho eram baixas com um homem daquele tamanho do seu lado. 

Dias depois, seguindo a estrada de terra principal do reino, chegaram à Arcadia, onde seus dias rotineiros de guardião estavam prestes a acabar para sempre… e Marko, prestes a descobrir que foi enganado.

Mapa do Sul, localização de Arian e Lara.

Próximo: Capítulo 9 – Arcadia

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