Impressões semanais: Orange #03

Toda obra, prosaica (banal, comum) ou prodigiosa, engenhosa ou simples, depende totalmente de seu envolvimento com o espectador para uma experiência plena de imersão. Caso contrário, você pode reconhecer seus méritos e virtudes, qualificá-la como bem feita, mas sem empatia, torna-se um sentimento vazio, inoperante e inerte. Pessoalmente, prefiro um anime que seja tecnicamente falho, mas me proporcione uma torrente de emoções, me prenda e desabilite da realidade. Orange tem esse poder, e a complexidade de sua história e temas abordados concede ao estúdio privilégios como uma certa isenção artística. 
Vejam só, a animação facial de Orange é bisonha. Alguns personagens são menos vivos que ventríloquos, enquanto outros apresentam uma capacidade expressiva de gelatina. Mas enquanto a trama interessar e absorver, é possível ignorar certos aspectos que de outra forma serviriam para escrachar e condenar a staff ao limbo. E por mais que eu tenha lido o mangá e realmente me sinta perturbado por faces como essa….

…estou fazendo vista grossa em prol do roteiro. E gradativamente, as várias camadas de Orange têm sido botadas à mesa. A amizade do grupo, e principalmente, o mistério chamado Kakeru, qual morte agora recebeu uma impactante revelação, afinal, a turma passou uma década acreditando ser um acidente, quando tudo indica ser suicídio.

Isso tudo contribui para percebermos os motivos das cartas com intuito de alterar o passado (e vale dizer, caso não tenham percebido, que as cenas no futuro, com os adultos, ainda são anteriores ao envio das cartas), pois os pequenos arrependimentos de todos, em especial Naho, não apenas poderiam salvar Kakeru, como a si próprios, aliviar uma vida sobrecarregada de pesares e tristeza. E tenho certeza que vocês, leitores, já tiveram a sensibilidade de se questionar como Naho e Suwa formaram um casal se ambos sabem que em condições ideais Kakeru seria o parceiro da garota. Deve ser infernal para Suwa conviver com esses pensamentos.

Orange é, acima de tudo, uma viagem emocional, carregada de feelings, e além de sensibilidade, a identificação de cada um influi muito para a degustação da série. Me tocou profundamente o comentário de alguém, semana passada, que disse compreender as angustias de Naho por não conseguir seguir os conselhos de sua futura pessoa justamente pelas sufocantes restrições psicológicas da estudante, vulgo sua excessiva – porém natural e existente – timidez. Portanto, por mais que as atitudes da garota possam parecer imprudentes e tolas para alguns, para outros é um espelho, e conforme Naho muda, pode servir de apoio para a pessoa. Valorizo muito obras que conseguem passar ensinamentos organicamente, sem apelo ou melodrama.

Naho poderia escrever naquele bilhete um “não”, e assim ficariam implícitas suas intenções com Kakeru, assim como a permissão demandada pelo garoto denotam seus sentimentos internos. O anseio por aproximação e o desejo mútuo existem, entretanto, o mundo real não é feito de conveniências e nós, humanos, somos complexos, inexplicáveis em nossas particularidades. São essas características que nos separam da unidimensionalidade. É por isso que Shinji recusou a instrumentalidade humana. Somos limitados, fracos, incompreensíveis, talvez até frustrados. Nos submetemos à horas, dias, semanas ou mais de sofrência psicológica aguda para evitar um pequeno momento que ousadia extrema, mas inalcançável. Escrito torna-se ridículo, porém, para existir a felicidade e o desenvolvimento, o sofrimento torna-se necessário e um elemento indispensável. E Orange é isso, uma história sobre pessoas limitadas, capazes das mais irracionais atitudes simplesmente pela incapacidade de serem perfeitas.

Avaliação: ★ ★   ★ 


#Extras

Nessa cena da imagem, ali pelos 11:03, o diretor usou um artifício que no cinema se chama “Dolly Zoom”. Nunca havia visto em animes e achei digno de nota. Explora bem o sentimento de Kakeru, assim como seu olhar pensativo, de como ele se ente deslocado da realidade ao experimentar a felicidade de seus amigos, enquanto se sente culpado por sua mãe. Verão mais das razões disso pela frente.