Review — Jinrui wa Suitai Shimashita

Prepare-se para degustar uma rara fábula moderna pós-apocalíptica

Sinopse


Jinrui wa Suitai Shimashita (literalmente traduzido como “A Humanidade Decaiu”) se passa em algum momento de um futuro onde a humanidade chegou a dois passos de sua extinção, porém pela intervenção de seres misteriosos denominados “Fadas”, a vida se tornou possível novamente na face do planeta Terra. Esta obra com um tom de fábula infantil conta as trilhas de Watashi, a personagem principal em sua vida como uma das raras humanas que mantém uma relação amigável com as enigmáticas “Fadas”, criaturas que surgiram e se multiplicaram nos locais inabitados pelo homem.

Review


Inicialmente temos a Watashi (Eu) ou Okashi-chan (Moça dos doces), apelido carihosamente recebido das Fadas. Ela é a protagonista que, apesar de cumprir com o papel de sua profissão: “Interlocutora entre a Humanidade e as Fadas” mantém uma personalidade totalmente oposta do que sugere seu emprego, a qual é como a de uma raposa, isto é, sagaz, egocêntrica e traiçoeira, porém por sua facilidade de assegurar seus tóxicos pensamentos, apenas o telespectador tem o direito de saber o que se passa pela cabeça de Watashi, quero dizer, dela… vocês entenderam.


Depois do primeiro episódio demonstrar o núcleo da obra, nos seguintes você começa a se aventurar pelo universo da obra e, particularmente, não há defeitos nesse quesito. O ambiente de Jinrui munido de um brilho característico do gênero moe simplesmente estimula cada vez mais seu questionamento sobre ele: como que chegou a este ponto; como essas pessoas sobreviveram a esse caos; de onde vem as fadas; quanto tempo de distância existe entre o nosso presente e o do anime entre várias outras, logo, você é instigado a assistir pela curiosidade gerada nas exibições e todos sabem o quão isso é prazeroso – Kyoukai Senjou no Horizon que o diga!

Guia básico de exploração de ruínas e catacumbas.
Cortando direto para a informação que se tem sobre esse mundo hipotético, de acordo com as sutis dicas das Fadas, a humanidade entrou em conflito diversas vezes, repetindo o ciclo de destruição que traçava durante toda sua existência, até em que chegou um ponto onde caso as Fadas não intervessem na ação do homem, existia a possibilidade da destruição total da vida na Terra. Por este motivo se criaram pequenos Vilarejos ao redor do planeta populados pelos restos do que seriam civilizações, com atividade contínua dos Mediadores, lidando com Fadas para manter a vida tanto dos restos da humanidade como o restante da flora e fauna do planeta.

All heil Watashi!
Agora o que você mais quer saber é sobre essas tais Fadas, não é mesmo? Pois bem, irei apresentá-las a vocês!

Sim, chegou a vez de vocês! Comemorem, projetos de deuses!
As Fadas ou Novos Humanos são as criaturas místicas que conseguiram trazer à tona por meio de alguma origem desconhecida, vida à Terra. Coincidentemente são criaturas sensíveis a Ondas Eletromagnéticas, privando a humanidade de novamente alcançar comodidades tecnológicas. De acordo com a própria teoria de registros históricos, a quantidade de Fadas existentes num lugar significa o quanto de prosperidade esse local tem em si.



Hipóteses que podem ocorrer em 15f:

1.    Se você cair do vigésimo andar de um arranhacéu terá uma grande chance de sobreviver. Para aumentar a chance de um superherói de pegá-lo ou ser salvo por um animal voador, encorajamos para que você se esforce, até no caso de um Pégaso encontrá-lo para ele ir com a sua cara.

2.    Em caso de um tiro à queimarroupa seu pingente a protegerá.

3.    Quando for para a batalha final contra seu rival, despertará um novo poder e triunfará. Se o rival for um parente, ele morrerá, não tem como prevenir isso.
Hipóteses que podem ocorrer em 10f:
1.    Se você cair do vigésimo andar de um arranhacéu pode até sobreviver mas se tu não conseguiu salvar o Pégaso de uma armadilha de urso há a possibilidade de um dos deuses novatos pensar consigo mesmo: “Seria trágico ela morrer dessa forma” e a transformaria em um animal ou constelação, como ocorre em contos dramáticos míticos.
Hipóteses que podem ocorrer em 5f:
1.    Se você cair do vigésimo andar de um arranhacéu estará numa situação apertada. Para conseguir sobreviver, use o gancho do Batman imediatamente e quando fizer isso o gancho, milagrosamente, se prenderá em alguma quina ou beirada. Uma situação mais difícil envolve descobrir um novo poder na hora H, se você for uma garota jovem que esteja usando um acessório com algum passado dramático, a segunda opção é a mais viável.
Hipóteses que podem ocorrer em 0f:
1.    Se você cair do vigésimo andar de um arranhacéu só aceite seu destino de se tornar uma panqueca.

2.    Se levar um tiro à queimarroupa morrerá na hora.

3.    Quando for para a batalha final contra seu rival, perderá.


Mas você pensa que as Fadas existem sem um preço? Negativo, elas têm de consumir algo apenas produzido pelo homem: Entretenimento. Essa é uma parte que me surpreendeu pois entretenimento é algo tão difícil de se alcançar nos dias de hoje, principalmente no sofrido ramo dos animes se você refletir sobre a área de criação dessa obra (dá até pra considerar uma crítica indireta a este ramo no Japão), então as Fadas se mantém nos lugares interessantes e divertidos, por consequência estabilizando a possibilidade da continuação da vida nesses locais e, mesmo que sejam seres praticamente onipotentes, mantém uma incapacidade mística de não conseguir produzir seu alimento preferido: doces, aplicando mais um pouco de charme a essas criaturinhas.

“Okashi-chan Okashi-chan!” De doce só têm a cara, esses peraltinhas.

As falas das Fadas são dubladas de uma forma muito dócil, seus designs também aquecem o coração, entretanto se você prestar atenção no que elas dizem em seus trechos e unir todas as falas de uma cena você perceberá o quão precária é a situação dos humanos nesse novo mundo, desde a questão de envolvimentos sociais que trouxeram o caos no passado até a presente escassez de recursos, principalmente em alimentos.

O massacre do frango assado.

Trocando o hemisfério do anime, vamos ao caráter traquina dessa obra: seu humor – muitas vezes sarcástico – que entretém como um todo. Mesmo em seus momentos de tom sério ele consegue tirar umas risadas com a saborosa acidez de nossa personagem principal e a falta de senso comum aplicada pelas famigeradas Fadas com sua onipotência. O melhor exemplo é o episódio dois, quem o viu nunca se esquecerá do pão-de-forma mais metaleiro das artes 2D que sofre com a pressão obtida pelo consumismo.

Os alimentos estão sofrendo gente, cuidado com os industrializados.

Ainda nesse ponto temos os diversos coadjuvantes interessantes que acompanham a Watashi, como o silencioso e fatal Assistant ou a fujoshi mangaká Y, que se aventuram com ela em universos insanos, conhecendo criaturas do passado, explorando ruinas de uma civilização que para nós seriam como os astecas, viajando dentre dimensões e até brincando com o tempo-espaço – algumas ofertas exclusivas de certas criaturinhas acumuladas de tédio.

Aspectos Técnicos


Arte

A arte desse anime é um pouco acima da média pelos designs dos personagens serem simplórios e limpos com uma fluidez consistente, principalmente na área das faces dos personagens, dando uma facilidade de diferenciação com seu toque de mestre: a cenografia.

Poucas cores, muitos tons, linhas invisíveis e uma Watashi ao fundo.

Os cenários desse anime são lindos, todo fundo ou objeto imóvel como muretas são colírio aos olhos, pois ao mesmo tempo em que torna mais fácil visualizar os personagens e objetos animados, chama a atenção por parecer uma pintura a óleo; seu aspecto principal é a falta de traços que disseminam as composições, ganhando forma apenas com suas cores variando entre tons úmidos e vibrantes, além de produzir senso de profundidade com variação da saturação.


Não existe nem a necessidade de dizer que para quem for assistí-lo, que procure arquivos em 1080p, certo?

Curiosidade: A arte do anime e mangá são totalmente adversas à arte da Light Novel, eu até me assustei pois o traço da LN parece com livros infantis (Picture Books).

Direção

Essa parte está um pouco acima da média também, não tornou a obra em ouro audiovisual mas não deixou a desejar também. Num ritmo agradável e forma de exibição lentamente progressiva, te dá tempo de raciocinar em certos momentos “ociosos”, isto é, intervalos para não tornar o anime em uma comédia non-sense ou depositando muita informação sobre você em curtos períodos de tempo. Outra característica interessante é a não-utilização de cortes de frames bem desenhados para criar transições de 10 segundos como vemos em vários animes de dia-a-dia e até outros, como existe em Gekkan Shoujo Nozaki-kun – sempre temos algo vagarosamente acontecendo.

Roteiro
Não vou economizar no conceito: uma das críticas subversivas mais legais de acompanhar desde a existência de Ghost in the Shell, Paranoia Agent e NHK ni Youkoso!. Aqui o sarcasmo sutil vai cutucando todos os erros da humanidade que ignoramos ou toleramos, tudo sob uma máscara chamada “esteriótipo”, o qual podemos ver claramente em seu visual, aparentando mais um anime de garotas fofas visado para públicos fanáticos ou socialmente degradados. Poderia ser uma crítica mais agressiva, porém isso traria uma falta de aceitação muito grande pois esse tipo de aproximação não condiz com o estilo aplicado nos personagens e na comédia (a diferença seria gritante).

A mistura da ordem cronológica foi algo inteligente, já que o final do anime conta com o início da vida de Watashi, o qual deixaria uma péssima impressão sobre a personagem se fosse contado no início e desenvolvesse comumente como ocorre em outros animes. Digamos que é uma leve lição de não julgar um livro pela capa (mais uma crítica).


Caso esteja interessado, a ordem cronológica dos episódios é: 11, 12, 10, 7, 8, 3, 4, 5, 6, 1, 2 e 9.

Sonoplastia

De longe a melhor parte da trilha sonora de Jinrui wa Suitai Shimashita são sua Abertura: Real World de ‘nano.ripe’ e seu Encerramento Yume no Naka no Watashi no Yume de ‘Masumi Ito’.

Sua abertura é uma das melhores que já vi, a letra e o ritmo têm um tom agradável de felicidade, não ficando longe do material base, apenas erroneamente direcionando sua ideia de quê sobre seja o anime. Em outras palavras, é muito fofa e pode viciar facilmente. Sua animação ganha brinde também porque a dança é muito legal e tem um bom fluxo de quadros, pela leve pesquisa soube que virou mania durante sua exibição em TV, sendo referenciada em um episódio de Danganronpa the Animation pelo ‘Monokuma’.

Até o urso de pelúcia mais sádico do oriente entrou na onda.

No Encerramento por outro lado, após experimentar o segundo episódio, você perceberá que não se trata de personagens ou de um universo preso a ideias gerais obtidas por senso comum – tudo exceto humanos acaba desviando do que é “normal”, então o que seria melhor para concluir bem cada episódio disso? Uma canção com melodia de cantiga clássica e misticismo, lembrando muito as composições utilizadas em Ookami to Koushinryou (recomendo muito!) adicionada à letra que utiliza metáforas sobre o ciclo da vida de um pequeno esquilo sendo acompanhada por uma animação composta similarmente a gizes de cera com ótima taxa de quadros e demonstrando memorandos da humanidade até a sua evidente extinção.

Muito difícil não admirar todo esse apreço à arte que colocam na obra.

As trilhas originais estão levemente acima da média, seus fundos lembram bastante Slice of Life como Aria the Animation ou a primeira temporada de Little Busters!. Para a climatização do conjunto ficou satisfatório, então não há o que dissertar muito sobre eles, não parecem ter sido desenvolvidos com muita atenção.

Conclusão

Jinrui wa Suitai Shimashita é uma rara fábula moderna pós-apocalíptica – digo isso pois nunca vi outro anime com uma construção de enredo sequer ligeiramente semelhante – que traz arte, humor sarcástico, reflexões, muita fofura e um sublime lado obscuro sobre a origem dessa peça; em poucas palavras: é um anime muito subestimado.

Olá, você teria um minutinho para ouvir a palavra de Tomino?

Ele tem um conteúdo interessante que dá oportunidade tanto a simples reflexões sobre como lidamos com certas situações com nosso dia-a-dia a uma comédia levemente ácida porém agradável, personagens singelamente atrativos, um bom mistério sobre suas origens, um traço e brilho simplórios que o fazem amável, uma cenografia que apesar de simples levanta um ar de classismo pela forma que é produzido e uma personagem principal que faz você querer ver mais de suas interações dentro deste mundo abstrato. Se fosse pra colocar defeitos, seriam os fatos de que certas partes sobre a nova forma de vida da Antiga Humanidade são confusas (dentro do esperado) e o aproveitamento de alguns personagens é fraco, todavia tudo isso provém do triste fato de que ele é muito curto: apenas 12 episódios pela falta de material base, isto é, a Light Novel na época ainda era muito curta.

Custos de produção desanimam, não é mesmo?

Quando eu vi a capa desse anime eu realmente pensei que seria um Moe + Slice of Life genérico e estava no clima para assistir algo assim, porém com meu preconceito acabei me impressionando muito quando comecei a perceber que era algo muito mais profundo, acabando-o inteiramente em uma madrugada só. Esse anime me lembrou que não devo julgá-los sobre as impressões que passam em suas capas ou sinopses, mas como um conjunto, até porque o inverso já ocorreu também, então lembrei de uma velha lição: Experiências ruins são boas para refinar seu senso crítico, então evitem de dropar animes e/ou séries a não ser que seja realmente impossível continuar, como assistir Queen’s Blade pela sua “história”.

Então deixe de preguiça e vamos desvendar os cantos desse novo mundo.


Arte – 8/10
Direção – 7/10
Roteiro – 9/10
Sonoplastia – 8/10
Entretenimento – 9/10
Nota Final – 8/10


Recomendado para pessoas que gostam de:

  • Comédia ácida
  • Moe
  • Observar e teorizar sobre universos enigmáticos
  • Sátiras da forma de como a sociedade atua
  • Simples desconstruções de gêneros (moe)
  • Seinen
  • Slice of Life
  • Temática clássica