Carnival Row – Assassinatos, Amor e Preconceito

Tem aquelas séries que você não dá nada, mas ver por curiosidade e acaba gostando mesmo ela tendo x problemas? Carnival Row se encaixaria perfeitamente na descrição. 

Inicialmente eu vi a série da Amazon por curiosidade porque é raro você ter este tipo de ambientação fantasiosa fora de mídias como animes e filmes. 

Mais novidade ainda é ter ambientação vitoriana, normalmente os autores ou diretores preferem o medieval, sendo uma minoria aqueles que focam em mundos retrofuturistas (steampunck) ou modernos ( Bright da Netflix) , sendo algo mais comum em jogos e animes mesmo.

Post da série com o casal protagonista

Carnival Row é um roteiro original de Travis Beacham que ele escreveu quando era jovem e que depois de ser bem sucedido com Círculo de Fogo (Pacific Rim)  foi comprado pela Amazon. Inicialmente Guilhermo Del Toro iria participar da produção, mas pelos atrasos ele se desligou da adaptação e a direção ficou a cargo de René Echevarria. Uma pena porque é o tipo de obra com a cara dele (alá Labirinto do Fauno).

Contudo, o piloto da série continuou tendo muito de sua colaboração para estabelecer bem o universo, as criaturas fantásticas e suas problemáticas já que ele ajudou a escrevê-lo.

Do que se trata a série? Basicamente como dito é um enredo fantástico mas que discute muito com a realidade ao se propor mostrar uma imigração forçada pela guerra e uma sociedade altamente preconceituosa e intolerante com estas pessoas que foram expurgadas de sua pátria pela invasão de suas terras. 

As casas de prostituição é para onde vão uma boa parte das fadas refugiadas

Então o drama se centra em criaturas mitológicas que não tem alternativa além de se abrigarem na sociedade humana que como dito anteriormente é altamente discriminatória com eles, mesmo tecnicamente eles sendo antigos “aliados” deles.

Eles não apenas servem a deuses diferentes, possuem culturas diferentes, mas são diferentes. Eles são o indesejado, o outro, então obviamente uma parte da população humana iria ficar incomodada com eles “invadindo” seu território.

A temática de guerra e discriminação contra inumanos não é novidade em cenários fantásticos, mas é indiscutivelmente um assunto bem recorrente na história humana, já que a guerra traz a miséria e a humilhação para aqueles que são forçados a deixarem tudo para trás a fim de apenas sobreviverem.

A perda de um território não é apenas a captura de um espaço por outra nação, mas é a destruição de uma identidades, de costumes e tradições que são subjugadas ou até mesmo destruídas pelo império dominante (A China fez e continua fazendo isto).

Comentário avulso: este design dos faunos ficou bem legal

Toda a história se passa na cidade Burgo, inspirada em um claro cenário de Londres pós revolução industrial com suas fábricas e trem a vapor, balões dirigíveis e armas de fogo. A cenografia e fotografia da série é bastante detalhada e belíssima, um dos maiores pontos positivos da série, desde os cenários de Carnival Row (o bairro dos seres míticos) até a mobília da casa da aristocracia humana é bem feita. É uma série com um design belíssimo, não tem como negar.

A ação na série também é bastante satisfatória e consegue te entreter de forma considerável, mesclando ao cenário politico e social um pouco de romance policial e mistério sobrenatural, já que que uma série de assassinatos horríveis contra fadas que acontecem dentro da cidade é um dos elementos centrais que movimentam o enredo.

As mortes movimentam bastante o mistério e enredo da série

O protagonista masculino da série, o inspetor Philo é um simpatizante das fadas e ex-soldado que lutou ao lado delas durante a guerra, tendo uma história conturbada marcada por diversos traumas e segredos. Ele que investiga de forma determinada os assassinatos e o que esta por traz deles. A heroína e par romântico dele é a fada Vignette que lutou ao seu lado e apenas depois de muito sofrimento (e falta de opções) precisa se sujeitar a uma nova vida em Burgo.

O romance é até que razoavelmente convincente e eu diria que o segundo ponto positivo da série já que os personagens funcionam muito bem juntos e o enredo envolta dos dois colabora para que você acabe torcendo para que os dois se resolvam logo. Alias, um dos melhores episódios da série é simplesmente focado no passado deles.

E o principal conflito entre o casal esta no fato da garota descobri que Philo, que ela passou sete anos achando que tinha morrido, estava vivo e era um inspetor da policia em Burgo. Portanto, ela sente que ele mentiu para ela, apenas a conquistou para depois a abandonar a própria sorte.

Casal fofo e complicado viu, haja bipolaridade XD

A relação de amor e ódio entre os dois é funcional para que o espectador possa conhecer e compreender melhor os conflitos sociais da série e em como a sociedade aristocrática humana concebe e lida com as criaturas.

As criaturas nesse universo são espinhos dentro da sociedade humana, são aquele estorvo com os quais eles são obrigados a conviver, além de serem a classe menos privilegiada e obrigada a se submeter a serviços que os humanos lhes acham apropriados.

Quais serviços ? damas de companhia, prostitutas, domésticas, operários, etc. Eles basicamente são a mão de obra da cidade, são os trabalhadores, mas também são isolados do restante da sociedade em sua grande maioria em um bairro chamado Carnival Row (que dá nome a série) porque não são considerados nem sequer pessoas, são basicamente coisas.

Philo em Carnival Row, bairro das criaturas e classe baixa da cidade

Sendo portanto esta segregação e preconceito dos humanos contra os inumanos o núcleo de todo o drama e ação dos personagens. E sinceramente, não tem como você não associar a situação das criaturas no final da série com a situação dos judeus durante a segunda guerra ou com o aparthaid, já que as coisas só vão piorando para este povo.

Contudo, um dos problemas da série é exatamente esta repressão contra as criaturas e compreendo perfeitamente a intenção do roteiro: mostrar uma sociedade fria, cruel e repressiva. Contudo,tirando Philo e mais dois personagens humanos apresentados, o resto só ver as criaturas como criaturas e não pessoas.

Dessa forma fica um maniqueísmo exacerbado, com poucos personagens se questionando se tratá-los daquela forma é errado ou não. Lembrem que na própria Alemanha nazista tinha alemães que ajudavam os judeus e se compadeciam deles, mesmo arriscando suas vidas.

Era uma minoria? Era, mas tinha estas pessoas, entendem? Não uma ou duas apenas. Em Carnival Row parece que toda a sociedade os ver como coisa e objetos, sendo raros os indivíduos que não.

Compreendo que em uma sociedade altamente classista e aristocrática é dificil mudar de uma hora para outra o comportamento e as concepções vigentes, mas era para ter no parlamento da cidade de Burgo representantes simpáticos as criaturas, mas o que temos é apenas pessoas condizentes com eles na cidade e os tolerando.

O chanceler “hipócrita” era uma das poucas pessoa que “lutava” pelo direito das criaturas

Mas o maior problema da série é o tempo de desenvolvimento para as subtramas e a trama principal. É tudo muito corrido, apressado, repentino, todas as problemáticas são resolvidas de forma quase simplista e com uma boa suspensão de descrença por parte do espectador.

Lembram de B: The benning? aquele anime que era uma verdadeira salada de frutas? Carnival Row também é uma salada de frutas, mas com todos os sub-plots e ideias jogadas no enredo. Todas as questões levantadas são boas, mas trabalhadas de maneira superficial.

A série apresenta uma ambientação e mundo riquíssimos, alias, para quem gosta de referencias e analogias, ela tem várias, desde pitadas de Lovecraft, Sherlock Holmes até um drama que faz analogia a história da Bela e a Fera.

Sentindo sérias influencias de mitos de Chtullu em 3,2,1

Mas carecia de mais tempo e cuidado em seu trato para que fosse mais solida e a ação de determinados personagens não parecesse tão abrupta ou as revelações tão previsíveis.

Alias, a resolução de muitos mistérios e conflitos é basicamente clichê. E o clichê não é problema, mas a forma como você o desenvolve.

Concluindo, Carnival Row é uma jornada divertida para quem gosta de fantasia com uma boa pitada de romance, sendo que a parte policial é realmente eficiente e garante boas cenas de ação pela cidade.

Além disso a serie fecha seu primeiro arco, não deixa um final aberto, e foi renovada para uma segunda temporada, o que pode garantir – ou não – um desenvolvimento melhor para as personagens e o enredo já apresentado. Particularmente para mim, foi um bom passa-tempo mesmo com os seus problemas.

Nota

Direção – 7/10

Roteiro – 7/10

Direção de arte – 9/10

Trilha sonora – 8/10

Entretenimento – 7/10

Nota final: 7.6/10

Extra

Trailer de Carnival Row

Monologo de Vignette e Philo

 

Sirlene Moraes

Apenas uma amante da cultura japonesa e apreciadora de uma boa xícara de café e livros.