Mayoiga, o Anime Que Nunca Foi

Uma análise do porquê o anime não funcionou como poderia.

Você sabe o que é escapismo? Em breve resumo, é a fuga da realidade. Devanear, “brisar”, buscar distrair sua mente da situação mundana em que vive. O grande papel da arte nisso – e por arte me refiro à filmes, livros, música, animes, mangás… – é a facilidade com que nos propicia acesso a um mundo novo, em graus variados e de extrema diferenciação do nosso próprio.
Existe a arte realista, é claro, que busca imitar a vida em suas mínimas nuances, pessimista, previsível e monótona. Mas quando você for ver os maiores best-sellers, as bilheterias mais absurdas, os animes mais comentados, é fato consumado que as sinopses destes serão, majoritariamente, fantasiosas. Naruto, Bleach, Sword Art Online, InuYasha (onde o fato da protagonista adentrar um poço para sair em outra época pode ser definido como escapismo em si), o recente Re:Zero, onde Subaru experimenta o escapismo de sua vida tão enfadonha que o mesmo, até agora, não demostrou nenhum sentimento de saudade ou arrependimento do local qual deixou. Afinal, viver com uma semi-elfa em uma imponente mansão enquanto combate a vilania deve ser mais empolgante que pegar um ônibus lotado e aguentar a aula de matemática.
A tendência e o prazer por escapar de nossa fatídica e muitas vezes enfastiante rotina é tamanha que fatos reais são distorcidos para acrescentar o inverossímil, o épico em si. Vide Titanic, que unicamente como tragédia nunca atingiria os mais de 2 bilhões em bilheteria que obteve graças a epopeia romântica de Jack e Rose. Os exemplos são infindáveis, como Senhor dos Anéis, Harry Potter, Percy Jackson, Hobbit, qualquer longa de herói e até Crepúsculo.
Sou fascinado pelo assunto. Recentemente, li dois mangás que tratam sobre o tema: A Lollipop or a Bullet e The God’s Lie. E foi este interesse que me levou a Mayoiga. Não assisto trailers, previews ou o que quer que seja sobre uma obra. Ou a sinopse e equipe da produção me atraem, o que ocorreu neste caso, ou o boca a boca incessante me faz conferir o motivo de tanta falação, como Erased e Rakugo, na temporada passada de animes.
Ao ler o guia da temporada de Primavera, a atração por Mayoiga foi imediata. Seria dirigido pelo fantástico Tsutomu Mizushima, que fez bons trabalhos em Another (até o episódio 10) e Genshiken antes de atingir o auge em Shirobako, numa qualidade tão eficiente que seria um crime não acompanhar seu próximo esforço. O Series Composition ser de Mari Okada é sempre uma incógnita, mas com uma plot tão boa, o benefício da duvida fora ativado.
E que plot! Um grupo de jovens que, insatisfeitos com sua “vida real”, decidem embarcar em um ônibus com objetivo traçado para Nanaki Village, um local isolado onde poderiam recomeçar tudo.. A imensidão de temas que uma equipe inspirada poderia explorar com esta proposta é infindável e imprevisível. O rumo poderia enveredar para o terror, mistério ou drama, quem sabe até misturar todos estes elementos mantendo como elo de ligação as fragilidades emocionais dos personagens, que certamente estariam em frangalhos ou seriam fugitivos de um passado obscuro. Um show maduro, reflexivo e instigante. Era isso que eu esperava de Mayoiga, mas o que eu recebi, infelizmente, foi uma trama vazia, perdida, infantil e que de estimulante só teve o fato de sair na sexta-feira.
O fato é que erraram, e erraram feito na condução do anime. Baseado na nota no MAL (6.26, no dia 18/06/16), não fui o único a sair frustrado e decepcionado com o resultado.
O primeiro passo para animes como Mayoiga seria fazer um esboço interessante e complexo das figuras que habitarão seu universo e serão responsáveis por nos conduzir por centenas de minutos. Você quer amar e odiar estes personagens, sentir seus medos e sorrir após alguma conquista. Vibrar com a redenção. Em suma, sentir empatia. Pois bem, eu identifico-me mais com o leite de soja que está na geladeira do que com as mais de três dezenas de habitantes do Mayoiga Universe.
Sim, um anime com 12 episódios teve a audácia – e ingenuidade – de acrescentar mais de 30 pessoas em sua trama. Ao ver o piloto eu naturalmente pensei que vários ali seriam descartáveis, estepes para o desenvolvimento de alguns poucos ou apenas objetos para criar cenas sanguinolentas, gore ou derivados. Mas nem isso aconteceu. É um retrato do quão mal planejado o roteiro da obra foi, um enfermo que atinge animes originais sem organização com certa assiduidade.
Eu pergunto agora: após conferir os 12 capítulos, quais os nomes que você decorou? Vou soltar aleatoriamente alguns e pense quantos você associará aos rostos: Lion, Speedstar, Masaki, Maimai, Love-pon, Dozaemon, Jigoku no Gouka, Dahara, Koharun, Hayato, Nyanta, Puuko. Foram 12. Com sorte, você lembra de uns 3 ou 4, mais pelos pseudônimos em inglês do que o carisma em si, sem duvidas.
Como gostar, então, de uma história sobre tantos personagens que não nos importamos?! Como sentir pena de Mitsumune e Hayato pelos abusos familiares?! Talvez você tenha sentido revolta pela forma como trataram Masaki, mas isso se deve muito mais a sua aparência frágil, moe, e a dublagem aveludada. E principalmente, pela falta de motivos dos que a provocaram, já que vários dos ali presentes eram apenas figuras maniqueistas com um background vago criados para serem receptáculos de ódio do público através de atitudes forçadas, descabidas e repugnantes.
Você provavelmente não torce para alguns por serem bons ou por se espelhar especificamente naquele ou naquela personagem, e sim pelo roteiro ser tão preguiçoso, que escolhemos a vítima para apoiar, o que é natural se você não for uma dessas pessoas que sofre de condições com sufixo pata.
E quando digo roteiro preguiçoso, é quase um eufemismo para burro. Cheguei a cogitar ter nutrido expectativas equivocadas acerca do conteúdo e abordagem de Mayoiga, mas a própria (falta de) qualidade do conjunto me permitiu concordar que a execução foi ruim e pronto. Sobre o que foi Mayoiga, afinal?! O cerce, o núcleo do desenvolvimento que eu tanto esperava, um anime maduro e reflexivo sobre pessoas desnorteadas, desolados e que se mostraram inadequadas para a sociedade, esteve levemente presente no texto, mas de maneira pueril e oca. 
Para não direcionar toda a acusação aos roteiristas, afirmo também que com uma quantidade tão limitada de episódios ficaria difícil explorar e desenvolver bem os vários dramas dos infindáveis personagens. O problema é que na pressa por mostrar o máximo possível dos enfermos dos passageiros, mostrou-se o mínimo. Mayoiga não teve um foco narrativo, nem tempo o suficiente para esmiuçar vários. A impressão é que os envolvidos estavam em uma interminável duvida sobre o que fazer, e na incapacidade de chegar a um consenso ou resposta, espremeram tudo que podiam em um espaço onde não era cabível, prejudicando assim todas as propostas. Não foi competente como drama, suspense ou terror.
Atenção: o parágrafo abaixo contém SPOILERS do final do anime.
Pode-se tirar uma conclusão didaticamente bonita da animação. O fato de Kami-sama ter envelhecido precocemente após perder seu Nanaki, seu trauma, ao invés de enfrentá-lo e fazer as pazes consigo, como fizeram Mitsumune, Masaki e Hayato, tem seu valor dependendo dos princípios daquele que está assistindo. Eu, particularmente, concordo. Odeio fórmulas expositivas, mas acho imprescindível que aprendamos a confrontar e superar os temores. Outro acerto foi o de manter alguns desajustados na vila. Assim, não soa otimista ou good feelings demais. O escapismo continuará sendo um ponto de escape para as pessoas, mesmo que elas saibam estarem erradas. A realidade nem sempre é o bastante.
Fim dos Spoilers

Infelizmente, porém, 5 minutos dignos não compensam outros tantos questionáveis. Se Mayoiga falhou em todas suas propostas, ao menos foi contundente em ser um exímio exemplar de que uma intensão boa, se não bem executada, é muita pior que um anime com ambições médias, mas que atinge o êxito desta forma. Decepcionante.
Ah, se tem alguma coisa que vou lembrar disso tudo, é o ending: