Análise: Oscar Wilde e Precure

Cure Oscar em todo o seu esplendor…

-O que eles tem em comum?


-Primeiramente, um resumo breve de Oscar Wilde. Wilde (1854-1900) foi um escritor, dramaturgo e poeta irlandês que viveu em uma época conhecida como era vitoriana, que apesar de ser um período de grande desenvolvimento econômico caracterizado pela ascensão da classe burguesa e conseqüente potencialização da Inglaterra como centro econômico global, é também marcado pela hipocrisia e soberba que se enraizaram com o aumento da qualidade de vida e o advento da revolução industrial.

 -O nome “vitoriana” faz alusão a rainha Vitória, que ascendeu ao trono em 1837 e morreu em 1901. Seu reinado foi o mais longo do Reino Unido até então.  Um dos “podres” da sociedade vitoriana era o falso puritanismo, atitude ostentada em público, mas não se concretizava no escopo das relações mais íntimas. Era comum haver transgressões, principalmente na alta sociedade, que gozava de tempo livre em excesso para se deleitar com os prazeres de Londres, notavelmente a prostituição, que no caso atraía muitos maridos casados com damas educadas de forma a encarar o sexo e as relações carnais como uma atitude abominável.
-Graduado em Oxford em 1878, mudou-se para Londres, onde se tornou familiarizado com o estilo de vida aristocrata. Ficou um tempo em Paris para logo em seguida voltar para a Inglaterra, onde se casou com Constance Lloyd e teve dois filhos. Em 1895, foi condenado a 2 anos de prisão sob suspeita de manter relações homossexuais com outros homens, para ser solto em 1987, passando o resto da vida em solitude  numa residência humilde, onde morreu de meningite em 1900. 

-Seu único romance, o retrato de Dorian Gray, brinca com as noções de estética idealizadas por si mesmo e a contraposição da mesma com seu antro social. O esteticismo foi um movimento que segundo suas próprias palavras, que “era inútil no sentido de não servir um propósito social, porém útil para a nossa apreciação da beleza”. O livro retrata o confronto entre essas idéias e os dogmas sociais da época. O próprio Wilde era muito criticado pela sua aparência e extravagância, o que evidencia a grande semelhança com o personagem principal do livro. Vou parar por aqui para não dar spoilers (seria essencial discorrer sobre o fim do livro), e vamos ao que interessa.  

-Outro dia (3 semanas atrás), estava eu assistindo DokiDoki! Precure, quando vi uma citação a um tal de “príncipe feliz”. Na hora eu nem liguei para isso e continuei assistindo. Algumas semanas depois, enquanto navegava pelo fórum Anisuki, me deparei com um comentário pelo qual tomei conhecimento de que o príncipe feliz era um conto. E adivinha de quem? Oscar Wilde. Como havia lido Dorian Gray alguns anos atrás, me senti compelido a dar uma olhada nas outras obras dele, principalmente os contos, que por serem curtos, poderiam ser lidos pela minha pessoa em doses moderadas de maneira rápida e simples. Logo, li obras como “o príncipe feliz”, “o gigante egoísta”, o “foguete notável”, “o amigo devoto”, entre outras. 

-O tema principal de DokiDoki! Precure é a crítica ao egoísmo e a conseqüente apologia ao altruísmo, o que faz total sentido se considerarmos a importância que eles dão ao coletivo. A fórmula é relativamente simples. O vilão usa palavras de poder para converter pessoas que se exponham temporariamente a pensamentos e intenções de caráter individualista no monstro da semana. Seu coração se projeta para fora de seu corpo transformando-se em uma criatura abominável.

-Ok, nem tanto. Mas é interessante ver o uso criativo que eles fazem das funções e peculiaridades de objetos variados.
-Aqui é onde entra a analogia com o príncipe feliz. O conto aborda dois personagens, o príncipe e a andorinha. O príncipe é uma estátua que ainda conserva suas memórias de ser vivente, e convive com uma lástima recorrente que advém do conhecimento adquirido após sua morte. Em vida, despendia todo o seu tempo nos jardins do palácio, cercado pelas muralhas que o isolavam do seu reino. Ao passar dessa para melhor e bem…virar uma estátua, foi deslocado para um ponto de relativa altitude que o permite ter uma visão panorâmica de toda a cidade e atentar para a pobreza, a miséria, os abusos e a indiferença das classes mais altas para com as mais baixas. O príncipe então pede a andorinha para que entregue várias das pedras preciosas incrustadas em seu corpo para os mais necessitados, como forma de redenção por ter permanecido na ignorância por tanto tempo. Porém o inverno se aproxima, e o pássaro não tem mais forças para voar. Após retirar a última pedra remanescente no príncipe, ambos morrem, garantindo seu lugar no paraíso como recompensa. Ironicamente, o cidadão comum, que admirava o príncipe pela sua aparência ilustre e requintada repleto de itens de valor, escarnece o mesmo ao fim do livro.

“Já que ele não é mais bonito, ele não é mais útil, disse o professor da universidade de artes.”

-Uma breve citação em que Oscar Wilde mais uma vez mexe com o conceito de esteticismo. É até curioso ele ter escrito esse conto, visto que era um crítico feroz da filantropia. 


-Em DokiDoki! Precure, Reika critica Mana por querer se arriscar sozinha contra o monstro (episódio 2), e pede para que ela a deixe desempenhar o papel da andorinha. Ironicamente, é exatamente isso que acontece que acontece, pois Mana é transformada em pedra (assim co mo o príncipe) e Reika é a única que pode se mover. Ela consegue anular o ataque o monstro (apertando o botão de siga), mas virando pedra no processo. Por sorte, o sinal ficou verde antes que Mana fosse despedaçada.

-Sim, é realmente uma referência perturbadora, mas é aqui que eu quero chegar: na moral da história. Vamos falar um pouco das personalidades das duas garotas. Mana, por ser muito altruísta, acabou se tornando a presidente do conselho estudantil. Ela ajuda todo mundo com seus problemas, mesmo que tenha que sacrificar seu tempo livre, não recebendo nada em troca no processo. Reika é a cínica. Ela faz a contraposição com o a atitude excessiva de Mana, constantemente criticando a mesma por se aventurar a aceitar favores de outrem. Levando em conta essas características, acredito eu que a mensagem do anime não se fundamenta em imposições sociais do tipo “Vocês devem sacrificar suas vidas pelo imperador!” e mais na vertente de “Gentileza gera gentileza”.


-O Japão é um país em que a pressão social pesa no indivíduo, o que faz sentido, considerando certas virtudes de auto-sacrifício em prol da nação que prevaleciam durante a segunda guerra. Destaco aqui o filme “Cartas de Iwo Jima”. Ao falharem em defender o monte Suribacchi da invasão americana, o oficial ordena a seus subordinados que se explodam com granadas para “morrerem com honra”, o que iria contra as ordens do general Kuribayashi. O personagem principal (Saigo) tinha conhecimento dessa informação, e tentou contestá-lo, mas foi ignorado. Eles não teriam vencido a batalha de qualquer modo, considerando a superioridade numérica e os bombardeios, mas essa discussão não é pertinente aqui.   
Voltando para o primeiro episódio, temos um monstro siri querendo monopolizar a vista de uma torre, que remete de forma tênue ao conto “O gigante egoísta”, que aborda um gigante que expulsa todas as crianças de seu jardim e é penalizado por isso. Vendo que suas ações são intransigentes, o mesmo dá o braço a torcer e decide abrir o jardim para as crianças, aprendendo o que é felicidade no processo.

E aqui termina minha primeira análise. Espero que tenham gostado. Caso estejam interessados em ler as obras de Oscar Wilde, deixo aqui o link para a leitura online gratuita. Normalmente, eu iria sugerir a compra do livro e blábláblá, mas o que um defunto vai fazer com os seus rupees?

Até a próxima.