As Crônicas de Arian – Epílogo – 7 vidas

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Renascimento

Dois homens seguraram seus braços à beira de um precipício. Sua respiração estava ofegante, a dor em suas costas era insuportável, e a lembrança do que ocorrera naquele dia, ainda pior. Agora, já com tudo perdido, estava apenas esperando seu fim, o mais rápido possível.

O grande abismo. Por tanto tempo escutou histórias sobre aquele buraco gigantesco, que não parecia ter fundo, e que ninguém que tentou explorar teria voltado. Quem diria que terminaria ali.

Os guardas soltaram seus braços e empurraram levemente. Só estavam cumprindo ordens, e não pareciam muito felizes com elas. Os conhecia, mas preferia não olhar em seus olhos. Tinha medo de saber se estavam lhe julgando, ou com pena. Qualquer das opções iria doer.

Enquanto caía, muitas coisas passaram pela cabeça. Seus pais chorando, o julgamento no qual não podia se defender, as acusações ridículas, tudo por algo que estava ali desde que nasceu e não tinha controle. Já esperava que descobrissem faz alguns anos, e havia se preparado para o que viria quando ocorresse. No entanto, por que punir seus pais também? Seus outros filhos eram normais. Ao pensar nisso, sentiu as lágrimas surgindo em seus olhos semifechados. Agora, bastava esperar o fim de toda aquela dor. Só que o fim não veio.

Estava frio, seus olhos se abriram devagar, o vento os machucava. Suas costas ardiam, mas a dor estava mais suportável graças ao vento gelado.

Começou a prestar atenção à sua volta. O que era aquela coisa branca no chão? Onde diabos estava? Era isso que tinha no fundo do abismo? Nada estava fazendo sentido.

Seu instinto de sobrevivência falou mais forte e começou a procurar desesperadamente um local para se abrigar. Já não sabia há quanto tempo estava andando, sua mente não funcionava direito. E então viu uma construção. Ao menos aquilo reconhecia, mesmo que em um formato e material que nunca tinha visto.

Entrou procurando algo para se aquecer, o local estava praticamente vazio. Se enrolou nos panos e palha que encontrou e dormiu, antes que pudesse pensar em qualquer outra coisa.
Algum tempo depois, acordou por causa da dor. Não estava mais congelando, mas suas costas voltaram a doer de forma insuportável. Analisando o estado, não parecia haver uma solução. Chorou sabendo o que teria que fazer, mas falta de coragem nunca fora seu problema.

Naquele dia, os moradores da vila de Norei, uma pequena cidade nas montanhas a nordeste do continente, escutaram o grito de dor de uma criatura, que ecoou por toda montanha. Dias depois, mal notaram que a tal criatura estava vivendo entre os habitantes, como novo morador da vila. Sua história no mundo anterior terminara, era hora de refazer sua vida, do zero.

O Pedido

Por que os bonzinhos sempre acabam felizes nas histórias do seu povo? Nunca viu isso acontecer na vida real. Mesmo seu pai, que era considerado por muitos uma pessoa honrada, tinha podres.

Era algo necessário, o modo mais simples de se conseguir as coisas era por meios… errados? Por que são errados? Pessoas são egoístas, faz parte delas. Seu pai era egoísta também. Se não foi por satisfação própria, por que enfiaria alguém que afirmava amar em um lugar como aquele?

Era horrível, frio, as pessoas lhe julgavam antes de conhecer direito, e pior, tinha que fingir ser algo que não era para manter o nome da família intacto.

Fazia 2 dias que estava ali e já queria desesperadamente fugir.

Foi então que lembrou de sua parada de 3 meses antes de ir para aquele inferno.

Seus primeiros dias naquele lugar foram os mais felizes que teve em tempos. Mas o último mês foi horrível.

“Por que ela?” pensava. A maior parte do tempo era inofensiva e calada, uma linda estátua que servia para desabafar nos momentos de tédio.

Sua vida era previsível e prazerosa a maior parte do tempo. Fazia e tinha o que queria. Por que não podia continuar assim?

Aí veio aquele padre idiota e convenceu seu pai. E como se não fosse o bastante, aquilo. Nunca sentiu tanta inveja antes. Sabia que era errado, mas o que podia fazer? Sempre teve tudo que queria, mas quando finalmente desejava algo mais do que tudo, isso lhe foi negado.

Ah, aquela dor de novo… Fechou os olhos, tentando não chorar, e pediu desesperadamente por uma intervenção do destino.

Para sua surpresa, a intervenção veio, antes do que poderia imaginar, e de uma forma totalmente diferente.

O Lobo Solitário

Não sabia como estava vivo. Fazia 3 dias que seu corpo vagava pela água suja de um pântano. Sentiu muita dor no começo, com a água fétida queimando seu corpo, cheio de feridas abertas e carne mutilada. Mas o tormento parou no 2º dia, não sentia mais nada, não escutava mais nada.

A morte era assim? Provavelmente não. Ainda estava vivo, provavelmente preso a esse mundo pela culpa do ocorrido.

Seus pais, irmãos, toda uma vida de paz destruída porque queria se divertir, conhecer o mundo, e mais do que tudo, se provar para si mesmo, mostrar do que era capaz.

Se tivesse obedecido seus pais, nada daquilo teria acontecido. Era só o que conseguia pensar no momento, e claro, a raiva dos que fizeram aquilo.

Seu corpo estava todo quebrado, seu rosto provavelmente irreconhecível de tanto que apanhou. Sua perna estava desfigurada a ponto de não conseguir se levantar.

Teve sorte, nenhum animal o encontrou, e 2 dias depois conseguiu se arrastar para fora dali.

Semanas depois, chegara a hora da retribuição, do modo mais cruel que pôde imaginar… e que o assombraria pelo resto de sua vida.

A Promessa

A chuva caía com força naquela manhã.

Uma pessoa chorava na frente de um túmulo. Fazia horas que estava ali. Não conseguia aceitar a realidade. Não queria aceitar… Seus planos, todos arruinados… Não tinha mais nada… O que faria da vida agora?

Não sabia o que tinha feito aquilo, só ouvira rumores, e cada um deles parecia mais inacreditável que o outro. Mas não importava, descobriria por si mesmo.

— Eu juro, seja lá o que fez isso com você, eu vou achar, e fazer sentir tudo que estou passando agora. Eu juro para vocês — dizia, enquanto lágrimas corriam pelo seu rosto, disfarçadas pela chuva.

A lembrança do rosto novamente passou pela sua mente. Doía, e não sabia como fazer parar.

Abafado pelo barulho de um trovão, gritara com toda força, tentando colocar aquela dor para fora, inutilmente.

Novo Mundo

Onde estava? Ou melhor, como fora parar ali? Já lera sobre aquilo, mas nunca acreditou que seria possível. Estava quente, úmido, e o chão estava cedendo. Algo viscoso estava encostando em sua pele, enquanto seu pé afundava lentamente. Estava em um pântano?

Uma torre branca estava à sua frente. Era magnífica. Mas tinha outras preocupações no momento. Dez figuras em mantos brancos o estavam cercando no meio de uma clareira na mata.

Engoliu a seco, e só pôde levantar os braços, esperando que entendessem o gesto.

Um deles falou alguma coisa, mas ele não entendia. Que idioma era aquele?

Fora levado para a torre por uma mulher de branco. Era linda, com um ar rígido, mas uma face tão bela, que não notou quanto tempo se passou de onde estava até a torre.

Eram boas pessoas, o alimentaram e deram um quarto. Descobriu depois que existiam mais casos como o dele, e já estavam acostumados a tratar isso.

Aprendeu a língua rapidamente com livros dos que vieram antes. Sempre fora bom nos estudos, e tinha certas vantagens sobre pessoas normais. Um ano depois estabeleceu um recorde, passando com louvor em diversas provas e se tornando um membro oficial do lugar. Conseguiu inclusive a posição que buscava, que lhe permitiria ficar ao lado daquela pessoa.

Não sabia quanto tempo levaria até conseguir dizer o que sente, ou como ela responderia, mas estar a seu lado era o bastante por enquanto. O que deixara para trás? Uma vida chata, algo muito mais interessante o esperava nesse mundo. Ou foi o que pensava… poucos meses depois, só desejava que tudo aquilo fosse um sonho ruim, do qual queria desesperadamente acordar.

O Pacto

Não conseguiu acalmar sua respiração, ou sequer focar seus pensamentos. O que demônios era isso?

Olhou fixamente pela janela da carruagem, contemplando a paisagem montanhosa… Não, a quem estava enganando? Só estava na esperança de ver sua silhueta ao longe.

Nunca sentiu aquilo por ninguém. Não era só atração. Muito mais que isso, uma ligação tão forte que doeu quando se separaram.

Para quem pensava nunca poder estar ao lado de uma pessoa sem ter medo de perdê-la para sua maldição, aquela foi a experiência mais feliz de toda sua vida. A primeira vez que conseguiu sorrir depois da morte de sua mãe.

Eles se encontrariam de novo em alguns anos, sabia disso, mas só isso não consolava, queria estar a seu lado para sempre. E embora fosse uma alegria estranha, se sentia feliz ao notar que seu par também estava abalado com a separação.

Mas estava tudo bem, mesmo desobedecendo seu pai e com o corpo debilitado, valeu a pena.

— Até que nos encontremos novamente… — falou sorrindo, e então lembrou de uma frase de seu livro favorito.

— Como a frase continuava? — “Não importa o que aconteça, eu sempre vou te encontrar. E até lá…”

Lembrou do complemento da frase e sorriu. Era perfeita para sua situação peculiar.

— Primeiro, vamos aprender a controlar isso — Seus olhos brilharam, não tinha mais medo de sua maldição. Agora, tinha que aprender a usá-la a seu favor.

Chega de se esconder. Chega de chorar e se lamentar. Era hora de lutar pela sua felicidade, que pela primeira vez acreditou ser possível.

Com um sorriso confiante, sua vida, parada no tempo, começou a andar novamente aquele dia.

O Homem Sem Passado

Um garoto acordou sem suas memórias perto de uma estrada do Sul. Com ele, apenas uma espada em condições ruins, mas com propriedades anormais. Ajudado por uma família, e depois por membros de uma guild, ele logo constatou que todos que ficavam perto dele acabam sofrendo, e se isolou. Felizmente, ele nunca estava sozinho, uma companheira espiritual inseparável, estava sempre a seu lado. Nos seus momentos mais felizes, e nos mais tristes, ela sempre estava lá para apoiá-lo. E com ela, ele seguiu, em busca de um sentido para sua vida, e respostas para os mistérios que o cercavam.

Ele não ligava para o dinheiro e para fama que conseguiu, nada daquilo o trazia satisfação. Ele não era nobre, não agia como um herói, não lutava por justiça, não acreditava em deuses, sorte, ou destino. Era apenas alguém lutando pelo que queria, pelo que se importava.

Um dia, finalmente conseguiu respostas sobre si mesmo, ao entrar em uma missão, que, teoricamente, era para ser simples. Mas a missão não era o que aparentava, seus companheiros não eram o que pareciam, ou mesmo ele, era o que pensava. O que começou como uma escolta, virou algo sem precedentes na história do seu mundo.

Mas o garoto não ligava para isso. Não queria salvar o mundo, virar um herói, um Rei, ou ganhar reconhecimento, e continuou lutando apenas pelo que considerava importante para si mesmo. Ele sofreu, sorriu, chorou, criou laços, se perdeu, pensou em desistir, e cometeu vários erros, mas no final, ele conseguiu encontrar sua resposta. Anos mais tarde, sua história seria contada, como A Lenda de Arian.

Fim do Livro 1

Ao terminar dê um feedback breve do que achou do capítulo, isso ajuda o autor.

 

Nota do autor

Muito obrigado a todos que leram esse livro, significa muito para mim.

Espero que tenham gostado do começo dessa aventura. Tenho ela na cabeça a muitos anos, mas admito que colocar no papel foi bem mais difícil do que eu pensava. Sei a história que quero contar, mas passar as coisas com o devido sentimento, detalhes, tornar as batalhas épicas, ou emocionantes, e fazer com que cada capítulo seja interessante por si só, foi um desafio muito maior do que eu poderia supor. Português nunca foi meu forte também, então apanhei um bocado, conforme aprendia a escrever mais corretamente, e repetir menos as palavras. Ainda tenho muito que melhorar nesse quesito, por sinal.

Além disso, foi um pouco ambicioso da minha parte, como autor iniciante, tentar criar várias batalhas detalhadas com muitos personagens no mesmo local (acho que é por isso que muitos autores gostam de dividir, deixando cada personagem enfrentando um inimigo em um local diferente. Mas embora facilite um bocado a descrição, admito que não sou fã do recurso). Você tem que pensar no que todos ali estão fazendo, a cada segundo, e como um interfere no combate do outro, ao mesmo tempo que torna a coisa toda o mais fácil possível de entender para o leitor (a parte mais difícil…). Apanhei um bocado reescrevendo combates, e espero que esse esforço tenha tornado eles compreensíveis e emocionantes aos leitores.

A <E> é outro caso peculiar, já que ela não pode interferir no mundo real, mas tenho que pensar no que ela está fazendo o tempo todo (e fico rindo sozinho com isso…). Esquecer que ela existe é bem fácil, principalmente no meio de lutas, mas soaria estranho ficar muito tempo sem informar sobre a personagem.

E caso alguém tenha dúvida, o epílogo, “7 Vidas”, são sete passados de personagens diferentes que apareceram nesse livro 1. Tirando o Arian, os outros eu não cito nome ou mesmo gênero, como forma de brincar com o leitor, deixando ele tentar adivinhar a quem pertence cada passado. Ao longo dos próximos livros vai ficar claro a quem pertence cada um, e a pessoa vai poder notar se acertou quando leu a primeira vez. É uma brincadeira que eu quis fazer, de maneira a terminar o livro de um modo não tão comum.

De qualquer forma, assim como melhorei bastante escrevendo do começo ao fim desse livro 1, espero entregar um livro 2 ainda melhor. Se nada der errado, ele sai em algum momento de 2018. Essa história está planejada para 6 livros, mas podem haver mudanças quanto a isso. E novamente, muito obrigado a todos que tiveram interesse em ler essa obra.

Marco Abreu – Janeiro de 2018