As Crônicas de Arian – Capítulo 23 – O homem sem passado – Parte 2 – Tudo por nada

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Capítulo 23 – O homem sem passado – Parte 2 – Tudo por nada

Algumas semanas já haviam se passado desde o incidente com Judas e Oliver.

— Finalmente consegui sair do grupo do Zack! A partir de amanhã vou só patrulhar a cidade, chega de servir de segurança para ele. Feliz?

Emily sorriu para Arian, assim como <E>, do seu outro lado. Knok, que parecia finalmente estar tomando a iniciativa quanto a Emily, vinha junto com eles. Os quatro voltavam para casa calmamente no final da tarde.

— A parte triste é o salário caindo pela metade…

— Você ficou com uma cara horrível o mês inteiro enquanto trabalhou com ele. Não sei exatamente o que faziam, só escuto os boatos, mas você não parecia estar apreciando nem um pouco. O dinheiro não vale a pena se te fizer infeliz…

— É… 

— Admito que fiquei preocupada quando você me disse que não iria sair.

— Queria juntar dinheiro logo para poder sair dessa cidade, e viajar pelo continente em busca de respostas sobre mim. Era a forma mais rápida…

— Que bom que meu pai conseguiu convencê-lo a mudar de ideia. É até engraçado, porque minha mãe falou que ele cometeu o mesmo erro no passado, quando ofereceram muito dinheiro a ele para trabalhar exclusivamente para um grupo de mercenários.

— De qualquer forma, mesmo não tendo o bastante para viajar por todo o continente, com o que ganho já podia alugar uma casa sem grandes problemas.

— Tem uma boa, perto do centro, que não custa muito. Amanhã eu te levo lá —  disse Knok, que parecia doido para Arian se mudar. Provavelmente não gostava da ideia de ter outro homem perto da Emily noite e dia.

— Olha, se ainda está se sentindo mal pelo que ocorreu….foi erro meu também, não precisa se forçar a sair — falou Emily, enquanto passava a mão no ferimento do pescoço causado pela espada de Arian, quase cicatrizado. Ela usava um lenço em volta do pescoço a maioria do tempo para cobrir.

— Não, eu….já é hora de começar a me virar, não posso ficar dependendo de vocês para sempre — Tinha a ver com isso também, e o que o pai de Emily disse sobre ele ter que tomar um rumo em algum momento.

Mais tarde, estava em seu quarto improvisado, dentro do estábulo, contando quanto dinheiro já tinha acumulado, até que o cavalo, Ari, relinchando, chamou sua atenção. Arian cuidava dele todo dia, como forma de passar o tempo.

— Não vai sentir minha falta se eu me mudar, Ari?

— É com o cavalo que você vive falando? — perguntou a mãe de Emily, Ariane, aparecendo com um prato de sopa. Arian sempre ficava admirado que, mesmo com quase 40 anos, ela não parecia muito mais velha que Emily. Era curioso como a cor de seu cabelo e olhos castanho claro era comum, mas ainda assim ela conseguia chamar muito mais atenção que a filha. Não apenas pelo rosto, era uma espécie de charme próprio, difícil de descrever.

— É… Ari nunca reclama dos meus resmungos — mentiu, achando que o chamariam de maluco se dissesse que vê fantasmas.

Ariane se ajoelhou ao lado dele.

— Emily disse que deve se mudar em breve. Não se preocupe com o que o idiota do meu marido disse, ele gosta muito de você, só está preocupado com sua situação vivendo em um celeiro. Se sentir que não está pronto, fique conosco mais um tempo. E se quiser voltar, sempre será bem-vindo.

Em vez de passar a mão em sua cabeça, como de costume, Ariane o abraçou com força contra os seus vastos seios, o que deixou Arian vermelho de cima a baixo, e <E> furiosa. Ela então o soltou e passou a mão em sua cabeça, como sempre, enquanto seus lábios exibiam um sorriso aconchegante. Arian sorriu de volta, enquanto tentava não chorar. Não fazia ideia do porquê estava tão emocionado. “Será que sua mãe era tão legal quanto Ariene?”, pensou.

Logo que ela voltou para dentro de casa, Emily apareceu.

— Ei, Arian, amanhã vou em um encontro com o Knok, que tal esse vestido? — Girou em um vestido azul escuro, feito à mão.

— Parece que a insistência dele finalmente surtiu efeito.

— Como assim? Estamos namorando há um mês, não notou?

Arian ficou olhando para ela com um ar incrédulo.

— Certo, sua criatura pouco observadora, o vestido está bom ou não?

— Está… — mentiu. Não gostava de azul, e o vestido era meio rústico. Conseguia pensar em alguns muito mais bonitos, mas não lembrava onde os viu.

— Só isso?

— Solte o cabelo também, é muito bonito pra ficar sempre preso — completou ele, na tentativa de fugir do assunto.

Emily corou, mas depois fez uma cara triste.

— Mas está meio…

— Comparado ao das mulheres da cidade parece um cabelo muito bonito. Se bem que… está falando com alguém que fica feliz em dormir em cima de palha e ao do lado de um cavalo, não devo ter gostos normais…

Emily deu um tapa na cabeça dele e voltou para casa rindo. Naquele momento, Arian imaginou se tinha uma irmã e possuía um convívio similar com ela. A verdade é que queria juntar dinheiro não para sair daquele lugar, mas para pagar alguém que pudesse sumir com a cicatriz que ele deixou em Emily. Dizem que existiam alguns curandeiros que conseguiam, mas era muito caro. Não desistiu da ideia, mas demoraria mais com seu salário atual.

<E> estava girando na frente dele mostrando o vestido que copiou de Emily. Arian fez um sinal positivo com o dedo e <E> corou, além de dar um sorriso de todo tamanho em resposta. Poucos minutos depois, os dois dormiram.

No dia seguinte, Arian fez sua patrulha sem problemas. Era um serviço fácil, apenas ficava indo de um lado para o outro na estrada que passa pelo centro da cidade, podia ser a cavalo ou a pé. Estava pensando em pegar Ari emprestado amanhã. “Seria bom para ele fazer exercícios… A quem estou enganando, só não quero ficar andando a pé”.

A estrada de terra era bem quente, o que levava os guardas a ficarem andando próximos às lojas e casas à beira da rua, em busca de sombra. Aquela cidade era calma, então raramente os guardas tinham o que fazer. Mas no final daquela tarde, um senhor veio correndo avisar sobre algo suspeito que viu, com alguns homens obrigando um casal a entrar em uma construção de pedra abandonada, próximo dali. Arian correu para lá o mais rápido que pôde. Um grupo pequeno de arruaceiros? Ou um grupo de mercenários? Se fosse o segundo teria que pedir reforço… Ou não? No tempo que ficou no grupo de Zack descobriu que mesmo desarmado podia lidar com um ou dois homens normais, sem problemas. Quando chegou lá, descobriu que tinha errado as duas hipóteses.

— Parem com isso! Já disse pra soltarem ela! Zack, por favor! Pare!

Dentro de uma antiga loja abandonada, já sem teto, e com o chão cheio de poeira e folhas secas, dois soldados seguravam Knok, que se debatia, mas não conseguia se desvencilhar deles. Na frente dele, estava seu primo, Zack, segurando Emily contra o chão, com o vestido, que teve tanto trabalho para fazer, rasgado. Quando viu aquilo, o sangue de Arian ferveu.

— Sua vadia, pare de me chutar. Esse imbecil está com você há um mês e ainda não fizeram nada? Vou ter que mostrar a ele como se faz, aí quem sabe para de se comportar como uma criança.

— Zack, solte ela, agora! — Arian avançou sobre Zack, o empurrando para trás. 

Zack se levantou, surpreso, ao notar quem o empurrou. Seu cabelo preto longo, e sempre bem arrumado, ficou todo bagunçado depois dele rolar no chão.

— O que pensa que está fazendo, Arian? É assim que me agradece por ter te subido de patente tão rápido, e aceitado o liberar do meu grupo para a patrulha da cidade?

Arian tentou se acalmar e respirar fundo, nada de bom acontecia quando perdia a calma, já teve mais de uma lição sobre isso no tempo que passou com o grupo de Zack. Tinha que imitar o líder da guarda, Cesar, e fazer as coisas com calma e pensando bastante. Queria socar Zack, mas ao invés disso, tentou falar da forma mais amigável que conseguiu.

— Sou grato a você por isso, mas Emily não te fez nada, e os pais dela estão pagando os impostos normalmente, não tem motivo para fazer algo assim com ela.

— Não acredito… Ela te conquistou também? A conhece há poucos meses, nem sequer é um parente, deixe de ser estúpido e saiba escolher de que lado ficar nessas horas, é seu último aviso, garoto!

Arian continuou parado, encarando Zack, com Emily atrás dele.

— Arian, pegue ela e saiam daqui! — disse Knok, atrás dele, ainda imobilizado pelo capanga de Zack.

— Chega, já perdi minha paciência. Matem esse idiota! — disse Zack para os homens segurando seu primo.

O primeiro deles tirou a espada e avançou contra Arian, enquanto o outro continuou segurando Knok.

Quando a espada do homem desceu sobre ele, Arian desviou instintivamente, agarrou a cabeça dele e prensou com força contra a parede.

Deu para escutar o som do osso quebrando contra a parede de pedra. O homem caiu na mesma hora com o rosto desfigurado.

— O que você… — O guarda segurando Knok parecia assustado, enquanto Zack permanecia olhando para Arian.

Arian olhou para sua mão cheia de sangue e ficou pálido. “De novo não! Ele está morto? Não era minha intenção. Por que sempre acabo fazendo algo assim? Era um assassino antes de perder a memória? E se me expulsarem da cidade por isso…?”. Antes que pudesse pensar em mais alguma coisa, Zack correu em sua direção e acertou um soco em seu rosto. Arian mal sentiu, mas estava com medo de revidar. Mataria ele também? E veio outro soco, e outro, estava começando a doer, mas estava assustado demais consigo mesmo para reagir.

Começou a suar frio. Foi quando notou uma espada saindo pela frente de seu abdômen. Estava ficando zonzo. Cuspiu sangue enquanto caía para frente. Ao olhar para trás, viu o soldado que estava segurando Knok retirando a espada que cravou em suas costas, e tinha o atravessado até sair pela barriga. Ele havia nocauteado Knok e acertado Arian com a espada depois.

— Cadê sua coragem agora, Arian? Levante, anda! — Zack o estava chutando no estômago, onde o sangue escorria do buraco da espada. Sendo sádico, sabia como causar a maior dor possível nas pessoas, seja psicológica ou física.

Arian não conseguia respirar direito, estava perdendo a consciência. Como Stuart não estava com eles, Arian achou que Zack seria intimidado com mais facilidade, mas se enganou. Zack foi na direção de Emily e a agarrou pelo cabelo, enquanto rasgava o resto de sua roupa com a outra mão. Mas de repente, Zack caiu para o lado, Emily tinha acertado a cabeça dele com uma pedra que catou no chão, e ele desmaiou na hora.

Knok tinha acordado e estava brigando com o capanga do seu primo, que acabou fugindo. Foi quando tudo se apagou para Arian.

Quando acordou estava em uma cama, na base da guarda da cidade.

— Qual sua raça, Arian? — O líder da guarda, Cesar, estava cuidando dele.

— Eu…sou humano —  mentiu, enquanto tentava ignorar <E> agarrada em seu pescoço soluçando. Provavelmente estava assim desde que ele caiu desacordado.

— Humanos não se curam nessa velocidade ridícula… Quando te achamos, o sangramento já havia parado completamente.

Arian olhou para sua barriga, na tentativa de visualizar o ferimento, mas ela estava toda enfaixada.

— Seus ferimentos ainda não fecharam totalmente, melhor não se mexer muito. Se bem que não sou especialista, isso é mais uma diversão pessoal. Sempre quis ser médico, e como não temos um nessa cidade minúscula, sou sua melhor opção.

— C-certo — disse Arian, ainda intimidado por Cesar ter entrado no assunto das raças.

— E é por isso que recomendei não entrar no grupo de Zack, mesmo ele pagando bem. É um idiota de índole ruim, e lamento dizer, o pai dele é o dono de tudo por aqui, então não adianta reportar o que ele fez. Na verdade, a pessoa que o reportou a você devia ser nova na cidade. Todos os guardas ignoram o que ele faz por aqui. Não que eles sejam ruins… Bem, alguns são, mas a maioria só tem medo do que ele possa fazer com suas famílias — disse Cesar, como sempre, falando com um ar entediado. Já devia ter passado por situações similares antes.

Knok estava olhando preocupado para Emily. Parecia estar pensando em algo.

— Vocês têm que sair da cidade. Meu primo… Quando ele mete algo na cabeça, ele… Não quero lembrar o que ele fez com as filhas de Tomas Darth. Ele se gabou para mim por dias. Se eu tivesse coragem já teria o matado há muito tempo — falou Knok furioso, apertando os punhos.

— Consegue andar? — perguntou Emily, vestindo uma manta militar, provavelmente emprestada, no lugar do vestido rasgado.

Arian se levantou. Estava com muita dor, mas conseguia se mover.

— Vou pegar dois cavalos para levar vocês para casa, esperem aqui — disse Knok.

Emily estava meio perdida, olhando para frente como se procurasse uma resposta. Na verdade, devia estar procurando as palavras para explicar a seu pai e mãe o que aconteceu e que teriam que sair da cidade.

Arian parecia incomodado com algo.

— O homem que eu matei…

— Ah, sim. Dwane não era de todo ruim, mas a ganância o colocou no grupo daquele psicopata, como muitos. Quando não estava trabalhando ele era bem simpático. A mulher dele morreu há alguns anos, então ele dedicava todo tempo livre para cuidar dos dois filhos… Vou ver o que fazer quanto a eles.

Arian pareceu arrasado com o que ouviu. Cesar olhou para ele, pensou um tempo, e falou:

— Arian, eu sei que é forte, mas nunca deixe isso subir a sua cabeça. Esse mundo é grande, e sempre vai existir alguém mais forte que você por aí, ficar arrogante só vai te levar para o túmulo mais cedo. Não vou contar para os filhos de Dwane os detalhes de sua morte, até porque, eles saberem que o pai ajudava um sádico a fazer coisas horríveis com as pessoas, não seria uma lembrança boa. Mas evite matar. Isso provoca ressentimentos, e ódio, principalmente. Não importa o qual ruim uma pessoa seja, ela pode ter parentes que vão querer vingá-las. Cada pessoa que você matar, vai ser mais pessoas ressentidas com você se acumulando pelo resto da sua vida.

Depois disso Arian partiu com Knok e Emily. Algumas horas depois estavam na casa dela. Ariane forçou Arian a entrar na casa e deitar na cama deles.

Emily explicou o que aconteceu. Os pais dela na mesma hora começaram a fazer preparativos para sair dali, partiriam de manhã. Arian apagou antes que pudesse escutar mais da conversa deles, que estavam ao lado da cama. Sua última lembrança foi Ariane colocando um pano gelado em sua testa, para reduzir a febre causada pelo ferimento.

— Arian! —  Um grito o despertou.

A sua frente, Zack o olhava com um sorriso sádico.

— Olá, Arian. É hora de acordar. Vim entregar seu último pagamento, e não vai querer perder sua festa de despedida…

Próximo: Capítulo 24 – O Homem sem passado – Parte 3 – A primeira vez

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