As Crônicas de Arian – Capítulo 16 – A final

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Capítulo 16 – A final

— Preparados para a final? — Gritou o apresentador no meio da Arena. — Depois de uma recuperação milagrosa, Arian volta à Arena para tentar a vitória. E sim, confirmamos através de uma dica anônima, é ele mesmo, o 7º Guardião de Distany! Um classe SS!

O barulho da plateia foi ensurdecedor.

— Maldição… — Arian choramingou silenciosamente. Arian não era um nome tão incomum atualmente, então nunca pensou que seria descoberto.

Seus preparativos para a luta demoraram um pouco mais que o previsto. Quando ele apareceu, já meio atrasado para se apresentar para a final, deram uma desculpa dizendo que tinham que checar todos os pertences dele antes de entrar na Arena, e acabaram vendo a corrente com a placa de metal, que o identificava como guardião de Distany.

Criaram vários mitos estúpidos sobre os guardiões de Distany: eram imortais, proteções divinas, semideuses, e mais um bando de outras coisas exageradas.

Como informações precisas eram difíceis de se conseguir, por Distany ser uma cidade fechada a visitantes, as pessoas começaram a alterar o que escutavam, ou criar as próprias histórias. A maioria não fazia sentido, mas graças a isso, a Arena estava ainda mais cheia que o normal. Para Distany, a propaganda era ótima, os mercenários nem chegavam perto dela atualmente, mesmo sabendo que tinham apenas sete pessoas defendendo uma cidade de pequeno porte com uma fortuna em itens lá dentro. Era considerado suicídio chegar perto do local.

Ao procurar um certo alguém na plateia, Arian teve certeza de quem o entregou. Marko estava rindo igual um idiota na área VIP, com duas garotas a seu lado. Ele nunca pagaria para ficar ali, custava 5 moedas de ouro, um valor que seria o bastante para 5 dias em um bordel de luxo. Provavelmente ganhou um passe livre para área VIP com acompanhantes, pela dica sobre o guardião de Distany.

— Maldito… — sussurrou o guardião olhando para o amigo, que estava fazendo um sinal de positivo para ele.

— Entre guardião, o público lhe aguarda! — Convocou o apresentador.

<E> estava o empurrando. Adorava quando Arian ganhava muita atenção, provavelmente por lhe dar a falsa sensação de que aquela multidão estava a vendo também.

Arian respirou fundo. Detestava aquilo, mas ao mesmo tempo tinha orgulho de quem era, e da cidade que defendia. No fim das contas, aquilo poderia servir de marketing para cidade, e valorizar ainda mais o que produziam por lá.

— Muito bem, vamos lá!

Arian começou a caminhar para frente, confiante, embora levemente incomodado com o calor do sol. Era outro dia de céu limpo, para sua infelicidade. Seu manto verde ficou muito mais claro do que de costume, e um símbolo com três ondulações, a marca de Distany, apareceu nas costas, em um tom verde-claro. O símbolo foi inspirado nas ondulações da água do enorme lago que ficava à beira da cidade. Arian jogou a capa do seu manto verde para as costas. Com isso, veio à luz uma armadura prateada reluzente, cheio de belos símbolos cravejados. Assim como a capa, a armadura não batia com a dos dias anteriores. Se antes parecia velha e suja, agora parecia nova.

Armaduras completas tinham o problema de tirar mobilidade, o motivo que levava muitas pessoas a achar que não valia a pena usá-las. Mas aquela armadura era muito mais leve do que parecia. Ombreira, braceletes, botas, peitoral e uma liga de metal fina por baixo da camisa, nada era feito de um material comum. Sua liga de metal, formada por vários elos minúsculos de um metal especial, foi partida ontem pelo golpe de Kadia, mas hoje já estava intacta. A vestimenta tinha várias inscrições mágicas. A armadura e a capa podiam mudar levemente de cor de acordo com a vontade do dono, e ainda se regeneravam sozinhas.

Arian deixava tudo bem escuro e com cara de velho, para não chamar atenção, o que agora não importava mais. O material era facilmente reconhecido também, uma liga de metal absurdamente mais resistente que ferro, chamada Zadium. Misturava um bando de minerais diferentes com magia em sua criação, só elfos, e alguns poucos humanos, conseguiam fabricar.

Era uma visão rara para a maioria, já que eram itens muito caros, geralmente só vistos em nobres de alto escalão, e claro, com os guardiões de Distany, onde os itens eram produzidos. Aquela armadura valia dez vezes mais que o prêmio do torneio.

Arian chegou ao centro da Arena, ao som de muitos gritos de empolgação da plateia. O apresentador então anunciou o adversário.

— E agora, seu desafiante, Dorian Grayne, ex-membro do alto escalão do exército.

Dorian entrou, não tão aplaudido. Afinal, não tinha lendas estúpidas sobre ele espalhadas por aí. Devia ter o que, uns 30 anos? A barba por fazer, e cabelo preto despenteado, dava uma cara de cansado a ele, mas pelo que Arian viu das lutas anteriores, o homem estava mais do que em forma.

Ao chegar no centro, Dorian deu uma risada ao notar o desconforto de Arian com tudo aquilo.

— Um dos grandes guardiões de Distany, é uma honra – cumprimentou ele, com claro tom deboche. — Quão famoso será que eu fico se te derrotar?

Arian não estava prestando atenção, olhando para algo estranho ao lado de Dorian em vez disso. Já havia notado antes, mas só quando viu de perto entendeu.

Dorian olhou para o lado sem entender o que o guardião estava olhando, não tinha nada lá, ao menos não que ele pudesse ver. Arian então se virou para ele.

– O que pretende fazer com a elfa se ganhar?

— Ela é linda, fico tentado… Mas tenho um comprador em vista, um velho amigo que adora meio-elfas virgens.

— Quanto ele está oferecendo?

— Quer comprá-la? Acha que vai perder? Mas não faço isso com amigos… Se eu ganhá-la, já pertence a ele, para seja lá que fetiche doentio quiser usar.

Arian fechou os olhos e respirou fundo. Sabia que era uma provocação, mas infelizmente, não era frio o bastante para não cair nela.

— Então, eu creio que irá perder…

Arian esqueceu a dor em seu abdômen, e do que viu ao lado de Dorian. Estava totalmente concentrado em acabar com seu oponente. <E> estava ao lado de Arian, olhando preocupada para ele, que claramente não estava 100% curado do ferimento de ontem.

Arian acenou com a cabeça para ela, como se dissesse que estava bem. A garota então se afastou alguns metros para observar o combate.

— E que comece a luta!

Dorian tirou uma espada longa da cintura, e veio para cima de Arian com tudo. O guardião esquivou do primeiro golpe, do segundo, e bloqueou o terceiro. Sua movimentação estava mais lenta que o normal, tanto pela dor no ferimento, quanto pelo seu preparativo para enfrentar Dorian.

Dorian deu um sorriso quando as espadas se chocaram, e rapidamente encostou sua mão livre no braço de Arian. Um segundo depois tomou um susto, quando a espada na mão esquerda de Arian veio em sua direção. Ele desviou por pouco, mas ganhou um leve corte no pescoço.

Estava olhando incrédulo para o guardião. Dorian veio de novo, dessa vez, Arian estava apenas bloqueando com as espadas. Um, dois, três golpes, e novamente a mão de Dorian tentando tocá-lo. Dessa vez de raspão no ombro. Arian sorriu.

— Não faço ideia do que você usa, mas pelo jeito esse negócio realmente não funciona com solado de madeira.

Arian seguiu a orientação da carta de Kadia, aquela manhã, e conseguiu que um marceneiro fizesse um solado improvisado de madeira, que encaixava no solado de couro da bota, não deixando o couro encostar no chão. Era desconfortável e atrapalhava um pouco a movimentação, mas estava funcionando. Segundo Kadia, isso barraria a magia que Dorian estava usando, quase que por completo. Ele sentia um leve choque, mas não o afetava muito, diferente do que ocorreu com Marko.

— Como?!

— Recebi uma dica… Que tal acabarmos essa luta só com espadas? Se descobrirem que está usando magia será desqualificado.

Dorian sorriu, enquanto os dois continuavam trocando golpes.

— Infelizmente, não sou tão habilidoso com espadas quanto você. Então, se me permite, vou tentar novos truques.

Dorian se afastou dele e colocou uma mão nas costas. 

— Só pode ser brincadeira…

Arian estava incrédulo. A espada longa de Dorian ficou levemente vermelha, e a outra, que tirou das costas, estava mais branca que o normal.

Magia não era permitida na maioria dos torneios, porque dependendo da escala, não havia como lutar contra, causavam destruição em área, e a luta não tinha emoção alguma. Mas Dorian, ao que parece, arranjou formas de disfarçar seu uso. Espadas mágicas, por exemplo, não eram proibidas. Embora fossem tão caras que, dificilmente alguém que poderia comprar uma, arriscaria a vida em um torneio desses.

A luta recomeçou. Arian estava tentando desviar, mas a mera proximidade com as espadas de Dorian já o afetava. Uma estava a baixíssima temperatura, quando passava perto do seu corpo sentia como se estivesse congelando, e a outra tinha o efeito contrário, queimava sua pele só de passar perto.

Arian parou de esquivar dos golpes, e começou a tentar bloquear as armas do adversário com suas espadas.

— Exatamente. Bloquear ao invés de desviar impede que eu te afete com a magia dessas espadas. Mas me diga, quanto tempo acha que suas armas aguentam?

Arian sabia exatamente o que ele queria dizer. Eram espadas baratas, não durariam muito tempo tendo que bloquear duas espadas mágicas elementais. Tinha a outra espada, mas…

Não tinha muito tempo. Lembrando da luta contra Kadia, tentou a mesma estratégia, logo após bloquear as espadas de Dorian, o guardião girou, tentando acertar um chute na cabeça de Dorian. Infelizmente, ele parecia preparado para isso, e conseguiu trazer ambas as espadas para servirem de escudo.

Arian deu um grito de dor que ecoou por toda a Arena, assim que suas botas tocaram as espadas de Dorian.

Elas não podiam cortar a armadura em sua bota, mas a proximidade com as armas queimou e congelou sua perna ao mesmo tempo, o que causou uma dor terrível. Arian recuou um pouco para trás, com uma das pernas meio bamba. Ele se desequilibrou e caiu com um dos joelhos no chão. Dorian, se aproveitando da distração do inimigo com a dor na perna, veio com as duas armas em direção à sua cabeça. Arian bloqueou, cruzando suas duas espadas acima da cabeça. Dorian sorriu de forma sádica, enquanto forçava suas espadas contra as de Arian. Quando o guardião se perguntou o porquê da confiança dele, notou suas espadas trincando, uma delas lotada de rachaduras.

Com um grito de dor, Arian usou toda a força que tinha para se levantar e empurrar as espadas de Dorian para atrás, fazendo o homem voar alguns metros. Não que o empurrão tivesse o afetado, ele continuava perfeitamente equilibrado e em guarda. 

— Você é forte, e claramente mais habilidoso em batalha corpo a corpo do que eu, mas ainda assim, vai perder… Planejamento é tudo!

Os golpes continuavam, e Arian não sabia o que fazer. Dorian não era um mestre espadachim, mas era habilidoso o bastante para manter seu inimigo sob-controle usando de adversidades que só ele podia controlar.

Revezando uma espada a baixa temperatura, com uma a alta temperatura, contra uma espada normal, a arma rapidamente quebraria, devido a compressão e expansão do metal. Não foram feitas para aguentar aquelas trocas brutas de temperatura. Em pouco tempo a previsão de Arian se concretizou, com a espada em sua mão esquerda, já cheia de rachaduras, sendo esmigalhada no ar.

— Maldição! — Gritou ele, cada vez mais acuado. 

Bloqueia, desvia, bloqueia, bloqueia, a segunda espada trincou. Arian olhou para a cara tensa de <E>, não queria vê-la naquele estado de desespero do dia anterior de novo, aquilo doía nele também. Continuar se negando a usar sua espada bastarda só ia lhe causar mais dor.

Arian jogou a espada trincada na direção de Dorian, que a bloqueou com facilidade. Mas aquilo era só a distração, o que veio a seguir o mago não esperava. Arian tirou sua espada bastarda da cintura como se não tivesse peso algum.

— Mas o quê?! — O adversário estava incrédulo.

Mesmo dando um salto para trás, para evitar o golpe, Dorian ganhou um leve corte no peito, e sua liga de metal fora rasgada.

— Chega de truques, a luta acaba agora! — Arian mudou para uma postura agressiva, preparado para arrancar a cabeça de Dorian se necessário.

Dorian bloqueou dois golpes com suas espadas, mas o terceiro o pegou de raspão no ombro, e depois na perna. Suas espadas não tinham efeito algum contra a nova arma de Arian, que embora em péssimo estado, defletia suas espadas mágicas como se fossem normais.

A luta continuou com Dorian pressionado devido à velocidade absurda que o guardião conseguia mover sua espada. De longe era um espetáculo lindo: as espadas coloridas de Dorian deixando rastros no ar, e liberando leves explosões a cada vez que se colidiam com a espada no guardião. O homem estava ficando cansado, seu corpo estava cheio de cortes e Arian continuava aumentando o ritmo.

A vitória era dele, pensou Arian. Até que, inesperadamente, Dorian recuou, ofegante, e apontou sua espada para o guardião, que ficou o encarando, na espera do que ele iria fazer. Recuperado o fôlego, ele voltou a esboçar um sorriso confiante.

— Como eu disse, garoto, preparação é tudo! Sua vantagem física, sua experiência em combate, até mesmo essa espada estranha, nada disso vai te dar a vitória. Você se preparou para uma possibilidade do que o seu adversário iria fazer, eu me preparei para mais de 10!

Dorian apontou uma de suas espadas para o chão, e logo depois uma forte corrente de ar levantou a terra da Arena, criando uma nuvem de fumaça que se espalhou por todo o local. Não dava para ver mais nada direito.

Arian estava tentando não perder Dorian de vista no meio da fumaça, quando um feixe de ar veio em sua direção e o jogou vários metros para trás.

Ao se levantar, Arian sentiu uma pontada forte de dor e cuspiu sangue, o ferimento em seus órgãos estava abrindo, seu corpo estava chegando no limite.

Dorian se aproveitou do momento de distração para repetir a magia de ar que lançou, agora com ainda mais força. A fumaça era meramente uma distração que ele criou para não notarem o uso de magia. Arian desviou do primeiro feixe de ar, a fumaça que ela deslocava ajudava a prever de onde estava vindo, mas Dorian estava as lançando cada vez mais rápido. Outro feixe de ar, e outro. No terceiro, Arian não conseguiu desviar, e foi arremessado a toda velocidade contra o paredão da Arena.

O choque do corpo do guardião com o concreto gerou um barulho forte que tomou a atenção do público, ainda confuso com toda aquela fumaça cobrindo o centro do local.

A armadura o protegeu, mas alguns ossos foram fraturados, e ele estava tonto devido ao impacto do seu corpo contra a parede. Ao tentar dar um passo à frente, caiu de joelhos, apoiando suas mãos no chão. Quando levantou a cabeça para procurar o adversário, conseguiu vislumbrar Dorian tirando alguma coisa das costas, e depois lançando em sua direção. A velocidade era estúpida, estava na cara que usou magia para as conduzir. Eram lanças finas de metal. Arian quebrou a primeira com sua espada, mas a segunda penetrou seu ombro e o prendeu na parede de concreto da Arena, atrás dele.

Arian gritou, a dor era alucinante. A lança estava congelando gradualmente seu ombro, o que era aquilo?

— Adeus! — Gritou Dorian, tirando mais duas lanças de metal das costas, e as arremessando contra Arian. Eram bem finas e do comprimento de uma espada curta. Ele parecia ter várias presas as suas costas.

Arian conseguiu bloquear uma com a espada, mas a outra o acertou no outro ombro. Estava completamente preso a parede agora, com seu corpo congelando gradualmente. Dorian, calmamente tirou outra lança e arremessou em direção ao peito do guardião, que não tinha mais como bloquear.  

“Saia logo dessa parede, seu idiota!”

“Agora você resolve falar algo?”

“Nunca deixei de falar, você que está confundindo seus pensamentos com o que eu digo”.

Arian, tentando forçar o corpo para frente, na última esperança de se soltar, conseguiu ouvir o grito de desespero de várias pessoas da plateia, incluindo a voz volumosa de Marko. Tudo estava mais lento que o normal, ou então ele estava pensando mais rápido, não tinha certeza. Mas a última coisa que passou pela sua cabeça, foi o que Marko disse a ele: “É assim que quer terminar sua vida? ”.

Ele queria se soltar por um instinto primitivo de permanecer vivo, mais do que isso, tinha medo do que poderia acontecer ao público se “aquilo” acontecesse. Mas medo? Se ele morresse ali tudo continuaria bem, algumas pessoas sentiriam sua falta, possivelmente. <E>, que estava ao seu lado, tentando o puxar da parede, choraria muito, um pensamento que o deixou triste. Mas ela era uma fantasma, viveria para sempre, ou até completar seja lá qual fosse seu objetivo. Um dia eles iriam se separar, de uma forma ou de outra. A elfa não seria salva, mas haviam várias morrendo a todo instante, por mais que o deixasse triste, logicamente, não era uma diferença tão grande. A maior diferença que ele podia fazer para os meio-elfos, já havia sido concluída 2 anos atrás, com a criação de Distany.

Foi então que Arian percebeu o que não tinha: uma pessoa que dependesse dele, uma família que ele tivesse que proteger ou manter, uma amante, um filho, em suma, alguém por quem ele quisesse viver. O que ele teve mais perto disso lhe foi tirado, e agora ele era só uma casca vazia, tentando compensar a si mesmo pelo que perdeu, mesmo sabendo que era impossível. Dizem que não ter medo da morte te faz mais forte, mas Arian finalmente notou que isso só mostrava o quão pouco a pessoa se importava em viver, o que era triste.

Não havia mais tempo, a lança de Dorian estava a centímetros de seu peito. Desistindo de reagir, Arian fechou os olhos, e esperou, torcendo para que ninguém saísse ferido depois do que iria acontecer a seguir.

Próximo: Capítulo 17 – Inesperado

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