Review – Citrus, um Yuri de Romance, não Fetiche

“Uma obra onde o Yuri seja retratado como um relacionamento normal, parte da história, não baseado em fanservice.”

Essas foram minhas palavras quando pedi uma indicação de Yuri, algo que nunca havia experimentado antes, o que buscava redimir. Entre várias dicas, o escolhido foi Citrus, tanto pela sinopse quanto pela quantidade de pessoas que lhe recomendaram.

Meus ideais narrativos foram completamente sanados após a leitura? Diria que uns 75%.

A trama tem início com Yuzu, estudante vaidosa e ávida por um romance que se transfere após o novo casamento de sua mãe. Ela não sabia que seria uma escola de meninas ultra-rígida e conservadora. Então, ao invés de um doce romance colegial, ela se depara com a severa presidente do conselho estudantil , Mei, que acaba, coincidentemente, por ser sua nova irmã. E ela tem que aprender que ódio e atração muitas vezes não são tão distantes. Fonte: YuriProject.

Falar de qualquer obra romântica é necessariamente falar dos personagens que irão compor o casal a qual devemos torcer. Como em tantos romances de diferentes épocas e mídias (cinema, literatura), Citrus compõe suas duas heroínas de maneira dicotômica (contrastante) – Yuzu, a recém-chegada, é vivaz, alegre, espalhafatosa, a face da juventude. Já Mei é rígida, fria, em primeira impressão, até insensível. A diferença está exposta em seus cabelos, um contraste que parece desrelacionado, mas faz parte da construção de ambas – uma loira e outra morena.

Conhecidas as protagonistas, inicia-se a jornada de união. E aí entra meu grande desejo: ver como seria retratado um romance homossexual pela cabeça de um japonês, não apenas um exercício barato de fanservice. Aqui, Citrus peca e acerta num mesmo princípio: a lenta construção do amor que as norteia.

Por um lado, a exploração do sentimento tem um quê realista. Yuzu nunca se imaginara interessada por uma mulher, enquanto Mei parece ter outras prioridades. Não apenas a surpresa e até desespero de se deparar com algo até então desconhecido são mostrados, como também o de enfrentar o que parece ser algo unilateral, sem esperanças. Já Mei, que parece alguém sem vida e levada por objetivos acadêmicos e distorcidos, aparenta, por muitas vezes, uma sociopata nos primeiros capítulos do mangá.

E por isso disse dos 75% acima. O começo do relacionamento entre as jovens é, em sua própria abordagem, uma boa amostra de alguém que acaba de apaixonar-se, descontrolar-se; a impotência de não saber o que fazer, como lidar, como ser notada. É confuso. Se você descobre nuances ainda escondias de si, então, esmagador. E aí, quando ele ainda não é mútuo, surgem algumas cenas ~desnecessárias~ de puro apelo visual aos marmanjos e mulheres que se deliciam ao ver dois espécimes do sexo feminino em momentos íntimos.

Felizmente, como com todo autor ciente do que faz, o avanço da história não é uma extensão de apelo lésbico, mas envereda para o caminho que todo Yuru/Yaoi deveria seguir: um relacionamento natural.

A construção das personagens é dada com parcimônia neste aspecto, e leitores de shoujo saberão do que falo, como os desencontros, pequenos infortúnios e terceiros que tentam prejudicar a relação por meios obscuros e covardes – alguns servem para engrandecer o que sentem por si, outros são apenas artifícios para render páginas -, mas, ao contrário do que vemos em obras extensas, no eterno vai-não-vai, no acaba-retorna em que a resolução é óbvio e a urgência de vermos os pombinhos unidos torna-se fadigante pelo exagero de repetições, Citrus é eficiente em desenvolver a conexão entre as duas, torná-la crível e, no maior acerto que algo do gênero pode obter, deixar o amor verossímil; das pequenas atitudes tomadas para agradar à outra, como se esta fosse-lhe o mundo e toda a razão do ser (algo irracional e inerente à paixão), à catarse de um beijo após um período difícil e até um simples abraço reconfortante. São características e elementos que, com exceção do já mencionado início do mangá, surgem organicamente, espelhados na trama em si: o caráter de ambas, complexas e com várias dimensões, é aprofundado, e com isso, novos traços surgem em sua convivência, novos passos são dados com a segurança do que sentem.

Mas nem tudo é utópico, e aqui entra outro grande mérito de Citrus: o mundo externo. Se ambas se veem como núcleo uma da outra, o que poderia ser recurso para algum escrito preguiçoso focar apenas num amor meloso e inconsequente, Citrus é cônscio do que faz e do que pensam sobre si: não apenas duas garotas juntas, como também duas meia-irmãs. O medo da censura externa e a noção de não ser bem aceita pela sociedade, o que aflige a todos e é discutido aproveitando da personalidade das garotas sem descaracterizá-las por conveniência ou de modo demagógico.

Atualmente em seu sexto volume (24 capítulos com vários extras), Citrus parece distante de seu fim. Saburouta (o mangaká) parece ter domínio dos rumos que pretende levar suas criações e paciência para explorar a psique de ambas sem excessos e invenções, inteligentemente coincidindo talento dramático com o que muitos leitores querem ver. E por isso, mal posso esperar pelo próximo capítulo.

Nota: já foi anunciado um anime baseado no mangá, mas sem maiores informações de staff, estúdio e data.

Relacionado:

Carlos Dalla Corte

Curto 6 coisas: animes, cinema, escrever, k-pop, ler e reclamar. Juntei todas e criei um blog.