Review – Shigatsu wa Kimi no Uso: A sua mentira em Abril

Uma linda história sobre pessoas tentando superar as mentiras que dizem para si mesmas.

Sinopse

A história gira em torno de Kousei Arima, um ex-prodígio que perdeu sua habilidade de tocar piano quando sua mãe morreu. Sua vida diária desde então se tornou monótona, porém, isso muda quando ele encontra uma violinista cheia de personalidade. Encantado com a garota, Kousei começa a reganhar sua paixão pela música.

Análise

Kimi no Uso começa nos mostrando um personagem traumatizado pelo seu passado com a mãe, e ao londo da primeira parte do anime vemos ele tentando superar seus demônios, incentivado pela protagonista feminina, Kaori, que consegue dar motivação a Arima, quando desperta nele um sentimento que ele desconhecia. Nesse ponto, o primeiro episódio é bem enganoso, já que nele a obra parece uma comédia romântica comum, quando está bem longe disso (nem mesmo a considero uma “comédia romântica”).

Felizmente, essa é uma impressão que os episódios posteriores – os primeiros 4 ou 5 – conseguem dissipar muito bem. O anime não está preocupado com o romance dos protagonistas ou disputas em triângulos amorosos, ele é um anime sobre um pianista superando seus traumas e amadurecendo, algo que o anime consegue realizar com profundidade, ao mesmo tempo que se mantem uma obra leve e fácil de assistir – na maior parte do tempo -, um de seus aspectos mais admiráveis.

Se na primeira parte temos a superação do principal trauma do protagonista com a mãe e a apresentação dos vários personagens que compõem o elenco, na segunda chega a hora de aprofunda-los, e dado o tempo que o anime tem é inegável que eles são bem trabalhados (difícil não simpatizar com os pianistas rivais do Arima ou mesmo sua aprendiz). Nesse ponto a obra reduz um pouco seu ritmo, se tornando um tanto quanto mais dramática e começando a divergir o foco entre os outros personagens e suas motivações, chegando até mesmo a apresentar um novo, em algo que se assemelha a um sub-plot sem importância, mas que acaba mostrando seu valor ao desenvolvimento do protagonista depois. Arima superou seu trauma na primeira parte da obra e na segunda cabe a ele superar sua dependência psicológica no que o motiva a tocar piano.

Admito que gostei mais da primeira parte, já que achava ela mais focada enquanto a segunda divaga um pouco mais. Mas vendo como o foco se recompõe nos episódios finais (quando voltam as apresentações musicais), e, principalmente, o modo lindo que a obra se fecha, dando valor a tudo que foi trabalhado até ali, fica quase impossível não elogiar o conjunto completo. Acho que se fosse para apontar um problema só gostaria que tirassem as piadas com os personagens cartoonizados em momentos reflexivos ou dramáticos.

A comédia funciona bem nos momentos mais leves, mas fica extremamente deslocada quando tentam coloca-la em cenas sérias (acontece com frequência). Entendo que a obra faz isso para tentar manter o clima leve e o anime mais acessível, mas querer manter as pessoas relaxadas em um momento com clima tenso não é uma boa ideia. Além do que as piadas exageradamente físicas  – com o protagonista apanhando a ponto de sangrar sem que os outros personagens se importem – causam um pouco de estranheza. Não acho que se encaixaram bem com a seriedade da obra.

O anime é cheio de metáforas e simbolismos visuais. Prestem atenção nos gatos pretos e o que acontece com eles, eles são a representação das pessoas queridas que estão na mente do protagonista no momento. 

Por vezes a pessoa vai ter a sensação de que os personagens são todos membros de um clube de poesia, com suas reflexões ou mesmo diálogos indo muito alem do que você esperaria de um adolescente de 14 anos (ou mesmo de alguns adultos). Isso não prejudica em nada, pelo contrário, engrandece ou embeleza a maioria das cenas, mas admito, é meio difícil de imaginar conversas naquele nível no mundo real.

Nesse ponto parece que Kimi no Uso trabalha em seu próprio universo paralelo, aonde adolescentes são todos poetas e personagens podem se comunicar ou transcender o físico apenas com a música. Mas acho que é essa uma das “mágicas” que fez um anime dramático sobre música e superação tão acessível: ser visualmente rico e colocar jovens em papeis que se encaixariam perfeitamente em adultos de 18 anos pra cima, além de, claro, tentar manter sempre o clima da obra pra cima.

Existem várias mentiras a serem superadas em Kimi no Uso: Arima mente para si mesmo dizendo que não gosta de tocar piano ou que só é capaz de tocar por uma única pessoa com quem se importa, Kaori mente para si mesmo e para os outros a sua volta sobre a gravidade de sua situação, Tsubaki finge que não está apaixonada pelo amigo de infância de quem nunca conseguiu tirar os olhos, e, por último, a mais tocante e inesperada das mentiras: a que dá nome a obra e te pega desprevenido no final, explicando muitos dos comportamentos peculiares da Kaori.

No fim, foi um apoio mútuo: Kaori, guiada por seu impeto repentino de desfrutar a vida ao máximo, resgatou Arima, que por sua vez retribuiu a ajudando a se levantar quando ela já tinha desistido e realizando o maior sonho dela, ainda que ele só descubra isso no final.

Parte Técnica

A direção (Kyohei Ishiguro) de Kimi no Uso é fantástica, e o roteiro (Takao Ishioka) também, mas o mérito é da obra original nesse ponto, já que o roteirista basicamente só copiou o mangá, e quem deu vida a coisa toda foi o diretor. Como já comentei na análise, só achei infeliz as misturas de comédia e drama nos momentos sérios e as piadas serem exageradamente físicas, sem isso seria 10 para direção e roteiro/história.

A parte artística é deslumbrante, sendo uma das produções mais bonitas que o estúdio A1-Pictures já produziu (nunca tirar prints de um anime a todo segundo foi tão tentador). Mérito para responsável pelo design dos personagens de Yukiko Aikyou também, que fez um trabalho muito superior ao original, além de ser a responsável por revisar toda a produção junto ao diretor (que é seu marido, vale dizer).

A fluidez da animação varia bastante, tem episódios que parecem coisa de filme na primeira parte do anime, mas na segunda isso cai um pouco e a animação só volta a mostrar sua força no final, com destaque sempre para as apresentações musicais, aonde nota-se claramente o maior esforço da produção. Acho que nunca vi um anime sobre música com apresentações tão fluidas.

A trilha sonora é muito bonita, um dos melhores trabalhos de Masaru Yokoyama, tornando muito fácil se emocionar durante o anime, não tanto pelas cenas tristes, mas pelos momentos bonitos, principalmente durante o antes e depois das performances musicais – que são lindas, vale dizer, seja nas interpretações fieis ou nas adaptações de músicas clássicas de grandes compositores. Minha favorita foi “spring melody“, que funciona quase como uma “main OST” da série em todos os momentos de reflexão do Arima (Demo da OST completa).

Conclusão

Kimi no Uso é um anime muito bonito, e por vezes poético, sobre superação, amadurecimento e a marca que as pessoas podem deixar em você, seja para o bem ou para o mal. Quem espera uma comédia romântica pode se decepcionar, já que embora o romance esteja presente, ele é a ferramenta que dá motivação ao protagonista e não o foco. Já a comédia está ali para manter o clima leve o bastante para não deixar quem está assistindo desconfortável, mas só. Essa obra é um drama – estranhamente acessível mesmo para quem não gosta tanto do gênero – sobre um músico tentando se reerguer, e encarada desse modo, a execução dela é quase perfeita. Recomendado, um dos melhores animes de drama que já vi, junto a alguns filmes do Makoto Shinkai.

PS: Revejam pelo menos os 5 primeiros episódios do anime depois de ver o final, o anime parece quase diferente quando você revê com as informações que ganha no final, muita coisa que você achou que acontecia por um motivo era por outro.

Direção: 9.5/10
Roteiro: 9/10
Animação: 9.5/10
Trilha Sonora: 10/10
Entretenimento: 7/10
Nota final: 9/10

Trailer do anime: